Texto inédito
Desde
finais da década de 1970 e início dos anos 1980, alguns fenômenos
marcaram a experiência mundial. Cessada, ou pelo menos aplacada (ao
menos em aparência), as revoltas sociais dos anos 1960
(especialmente os eventos de 1968), triunfava absoluto o
neoliberalismo. Personagens como a primeira-ministra britânica,
Margareth Tatcher, e o presidente estadunidense Ronald Reagan
representam, em seus discursos e ações, a agenda do neoliberalismo
diante do mundo: recrudescimento conservador nas pautas políticas e
sociais conectado com uma ideia de flexibilização na dimensão
econômica que, em outras palavras, representava diminuição de
direitos sociais, precarização do trabalho, privatizações,
diminuição do papel do Estado como provedor de políticas públicas
de bem-estar e justiça social (aumentando, ao contrário, o seu
papel policialesco) e aumento do lucro para empresários e
banqueiros.
A
arte produzida neste período também foi influenciada por
estes acontecimentos mais amplos. E um dos eventos mais importantes
ocorridos nesse momento é a chamada “volta da pintura” e a
emergência de um mercado de arte super aquecido. E a alusão a esse
momento da arte em que emergem as ideias sobre seu período
pós-moderno é fundamental pois a década de 1980 é, aparentemente ao menos, um dos marcos do que hoje é conhecido como arte contemporânea. E nas análises desse período, pululam as críticas em relação aos seus
procedimentos, movimentos e relação com o mercado, ao passo que
parecem menos visíveis as ações críticas realizadas pelos
artistas,
Segundo
Belting, algumas exposições realizadas no período dos anos 1980
“permitem reconhecer que o temor de perder as imagens dos homens ou
ainda a pintura como medium
desencadeou
novamente o apelo a uma mudança de curso ou a uma nova reflexão” (2006:267). Mostras da época - que celebraram uma pretensa volta ao
pictórico e escultórico -, apresentavam um clima de vitória da arte
sobre a anterior "tentativa de assassinato" desta, realizada pelos movimentos conceitualistas. E esse pretenso triunfo da arte sobre sua "tentativa de
homicídio" interessou bastante ao mercado e à mídia desse período.
Um
exemplo interessante do clima artístico deste período, em que as
leis de um mercado em intensa efervescência se impunham de maneira
agressiva, é o fato de eventos como a Documenta de Kassel - que na
década anterior havia abrigado obras realizadas em vários meios,
ecoando a produção do período -, declarar uma intenção
conservadora em sua versão de 1982, a Documenta 7. Segundo Douglas
Crimp (2005), em carta divulgada para os artistas convidados a
participar do evento, Rudi Fuchs, curador da mostra, “por um lado,
declarava que iria restituir à arte sua preciosa autonomia,
enquanto, por outro deixava claro o desejo de manipular as obras de
arte individuais de acordo com sua auto-imagem inflada de artista
mestre da exposição. (…) Fosse ou não fosse a intenção dos
artistas participantes, Fuchs faria um esforço para assegurar que as
obras não refletissem de modo algum o seu ambiente: o mundo ao
redor, os costumes e a arquitetura, a política e a culinária”
(CRIMP, 2005:210).
Segundo
Crimp, Fuchs, em seu texto, além de afirmar-se na posição de
criador de uma segunda obra com sua exposição (questão que emerge
a partir da mudança do status do marchand para o curador, que passa
a ser um criador de exposições-arte), revela um rechaço às obras
experimentais e realizadas em outros meios (a exemplo do vídeo e
performance), além daquelas que criticavam as formas
institucionalizadas de recepção e produção da arte (Crítica
Institucional). Deixa claro, desse modo, uma preferência por
pinturas e esculturas, a maioria de estilo neo-expressionista que, no
período, dominava o mercado de arte em Nova Iorque e outras regiões
do mundo ocidental, diz Crimp.
E
essa tendência de retorno se materializou de maneira mais evidente
em dois movimentos ícones do período: a transvanguarda italiana,
assim nomeada pelo crítico de arte Bonito Oliva, e o
neo-expressionismo alemão. Hal Foster resume esses dois movimentos
como sendo o primeiro uma espécie de fetichismo dos estilos e modos
passados que nega a historicidade da arte e sua imbricação na
sociedade; e o segundo como uma tentativa de reviver um estilo
moderno (o expressionismo) e um tipo moderno (o artista como
primitivo) de uma maneira nada irônica, mas bastante anacrônica.
Segundo
a pesquisadora argentina, Viviana Usubiaga, Bonito Oliva desenvolveu
não apenas uma denominação, mas uma verdadeira teoria da
transvanguarda, em que ideias como o fim da narrativa linear, da noção
de progresso, entre outras, apareciam. Para esta autora, Oliva
afirmava que até a década de 1970, a arte de vanguarda havia
operado uma espécie de darwinismo linguístico, do qual a arte da
transvarguarda se pretendia liberada. Desse modo, “sublinhava uma
nova subjetividade do artista, tanto no prazer de suas pulsões e
imaginários privados como no reencontro com a matéria da pintura
(…). Junto ao hedonismo, o nomadismo era a atitude básica do
artista transvanguardista, entendida como a possibilidade de
transitar livremente fora de todos os territórios, sem nenhum
impedimento” (USUBIAGA, 2012:34). Desse modo, termos como
transitoriedade, apropriação, ecletismo, niilismo ativo e hedonismo definem as obras transvanguardistas, fenômeno que se
estende até a América Latina durante a década de 1980.
Já
o neo-expressionismo alemão realiza uma tentativa “sincera”, nas
palavras de Foster, de retomar o expressionismo o que, para o autor,
se revela um ato paradoxal visto que as condições sociais que
tornavam uma arte crítica na Alemanha da primeira guerra já não
são as mesmas. É como se os artistas tratassem o expressionismo não
mais como um movimento histórico específico, mas como uma espécie
de categoria essencial e natural, estabelecendo uma relação mística
com a cultura alemã. Esse deslocamento temporal que não considera
mudanças históricas fundamentais acaba por alienar das atuais
formas de alienação engendradas pelo capital, diz Foster. E o que
era “protesto protopolítico no expressionismo diante da sujeição
converteu-se, no neo-expressionismo, numa exposição ideológica da
subjetividade” (1996:73).
Ao
ver esses dois movimentos como tentativas de recuperação de
processos artísticos anteriores à década de 1960 que acabam por
revelar-se acríticos, Foster parece aceitar a tese do fracasso da
vanguarda que antes rejeitava em Bürger. Sendo assim, realiza uma
analogia entre as vanguardas que, na década de 1920, provocaram
becos sem saída artísticos, mas que retornaram como tentativas de
reelaboração nos anos 1960. Essas tentativas, ao que parece,
provocaram novos becos sem saída, a exemplo do minimalismo e
conceitualismo, citados por Foster. Mas, para este autor, a
reelaboração destes novos buracos no simbólico resultaram mais
alienantes do que críticos. Nas palavras de Foster, “a nova arte
internacional de figuração expressionística e a postura boêmia nos são vendida como um bálsamo
após anos de abstração árida e de envolvimentos pós-estúdio.”
Isso leva a que ele se pergunte “e se essa arte assinalasse uma
alienação face à história e não um retorno a ela – uma
aceitação da divisão cultural do trabalho (o papel do artista como
um romântico, um homem de espetáculo, fornecedor de bens de
prestígio) e uma legitimação da sujeição social e das tendências
autoritárias do presente?” (1996:65)
Esta
questão é respondida posteriormente por Foster como: sim, essa
pretensa nova-antiga arte, uma espécie de regressão às formas
anteriores da pintura e da escultura, é aistórico e alienante. Essa
aparente nostalgia pela história, a qual, como diz Belting, parece
uma tentativa de encontrar na pintura e escultura (Belting destaca as
neo-expressionistas) um símbolo do pensamento contemporâneo, um
espírito da época. Segundo este autor, trata-se de uma grande
tentação de seguir essas palavras de ordem e construir novamente, a
partir delas, a história da arte segundo seu decurso ordenado.
Porém, essa alusão à história parece ser realizada apenas para
descartá-la, afirma Foster. Uma tentativa de exibir uma liberdade
diante da história que, em lugar de contestá-la e criticá-la,
realiza um movimento ao mesmo tempo histérico e amnésico.
Porém,
estas regressões à pintura, escultura, ao maneirismo acadêmico e
até alusões a obra renascentista, não compõem todo o cenário
complexo da década de 1980. Embora aparecessem determinando grande
parte do movimento do mercado, dos seus agentes, instituições e
eventos como Documentas, Bienais, não foram totalizantes. Havia
ainda cenários em que tanto a Pop Art como a Arte Conceitual também
coexistiam com essas novas formas, marcando um retorno ao visual
desta última (além de uma, aparentemente nova, aliança com o
mercado). A estas práticas conceituais, realizadas por volta de fins
da década de 1980 e os anos 1990, Peter Osborne vai chamar como
neo-conceituais. Como exemplo, cita a obra do artista Jeff Koons e
suas esculturas de objetos comuns em que o kitsch aparece como
característica mais evidente.
Mas
esta não foi toda a produção de Arte Conceitual da época. A
apropriação e a manipulação de imagens midiáticas ainda foi
utilizada como estratégias com intenção crítica. O retorno ao
visual desse período (segundo diagnóstico de Osborne) foi
acompanhado por uma ênfase
crescente na instalação como método de produção, o que resultou
na instituição desta como gênero artístico no período dos anos
1980. Isso porque, segundo Osborne, “o marco conceitual contribuiu
à definição da instalação, não mais no sentido da disposição
de uma obra já existente, mas no sentido de uma produção in situ
da obra, em relação direta a seu contexto específico” (2002:80).
Ou
seja, vários artistas seguiram produzindo a partir do caminho aberto
pela Arte Conceitual, criando ações e obras que desafiavam não
tanto o status quo da arte, mas que reivindicavam agora a ampliação de
um exame social, institucional e estético. Segundo Hal Foster, nesse
momento de produção artística, em que as críticas e os
desmoronamentos dos limites parece já haverem sido todos realizados,
a preocupação primordial não é mais com as propriedades da arte
tradicional ou modernista – com o refinamento do estilo ou a
inovação da forma, nem com o sublime estético ou a reflexão
ontológica sobre a arte. E, em suas palavras, “embora esteja
alinhada com a crítica da instituição da arte baseada nas
estratégias de apresentação do readymade duchampiano, não se
envolve, como seus antecessores minimalistas se envolviam, com uma
investigação epistemológica do objeto ou com uma interrogação
fenomenológica até uma resposta subjetiva” (1996:140).
Desse modo, para Hal Foster, esse tipo de ação artística
representa o que ele chama de “a mais provocativa arte
norte-americana do momento presente” (período da década de 1980)
e a situa em uma encruzilhada – das instituições de arte e da
economia política, das representações de identidade sexual e de
vida social. Essa produção assume que seu objetivo deve estar
situado desse modo e coloca-se à espera desses discursos para
depurá-los e expô-los ou para seduzir e extraviá-los. Em
suma, “esse trabalho não põe entre parêntese a arte para um
experimento formal ou perceptivo; em vez disso, procura suas
filiações em relação a outras práticas (na indústria cultural e
em outras partes); tende também a conceber seu tema de modo bem
diferente” (1996:140). Ao reconhecer, na produção da década de
1980, ações que ativam a criticidade e continuam (e ampliam) as
ações desconstrutivas e críticas da década de 1960, o autor
escapa de cair na noção pessimista (e que, para ele, também é
cínica) de que a arte nesse período perdeu toda a capacidade
crítica e só pode ser pastiche e/ou cópia acrítica.
Desse
modo, a tese de Foster de que ainda existe uma arte crítica na
década de 1980 é baseada na prática de alguns artistas que ficaram
conhecidos (grande parte deles) como segunda geração da Crítica
Institucional. Retomando o diagnóstico feito por Foster (o da
ampliação da crítica), há
que se dizer que a prática da Crítica Institucional nos anos 1980 se amplia para, não só desvendar estruturas subjacentes nos museus,
mas entendê-los como espaços produtores (e reprodutores) de formas
de conhecimento e discursos (ideológicos) que são excludentes,
desiguais ou economicamente determinados. Em sua segunda fase, a
Crítica Institucional operava não apenas no desvelamento (e
também), mas na interferência nos modos de produzir conhecimento
existente nos museus.
Nesse
momento de retomada, a questão da definição do que é Crítica
Institucional se tornou mais evidente (e, acreditamos, também
necessária). A necessidade vinha da própria prática que pedia
novos questionamentos sobre o que é instituição – algo já
iniciado pelos próprios artistas da primeira geração – e sobre a
inserção em um outro contexto, agora de abertura para o
neoliberalismo, financeirização da arte e processos de
estabilização dos novos sujeitos emergidos nas lutas dos anos 1960
na arena política (feministas, movimentos negros e queers).
E
foi a partir daí que a reflexão sobre a Crítica Institucional
tomou corpo e começou a alargar seu campo para além da instituição
como museu, galerias ou colecionadores. Se a primeira geração já
se havia dado conta de que os artistas, eles mesmos, são também
instituição, participam para sua existência, reprodução ou
ruptura, a segunda geração desenvolve de maneira ainda mais ampla
essa consciência, tornando o sujeito-artista e sua prática o
fundamento da Crítica Institucional. A instituição agora é
reconhecida como um conjunto de discursos e práticas que, se por um
lado são autônomos (no sentido de que conformam seu próprio
mundo), por outro estão em estreita conexão com outras instituições
sociais que o modelam e conformam também.
Para
Hal Foster, os artistas recentes enfatizam mais a manipulação
econômica do objeto de arte – sua circulação e consumo como
signo-mercadoria – do que sua determinação física pela moldura.
Ou seja, escapam ao foco na moldura do museu que era enfatizada mais
pela primeira geração. Porém, assim como os primeiros, eles
procuram revelar o caráter definicional dos suplementos de arte, só
que tendem a dar mais destaque ao que aparece como insignificante
institucionalmente (o supervisto) do que ao transparente (o não
visto) – isto é, as funções como o arranjo de pinturas em
galerias, museus, escritórios, lares, e formas como o press-release
e os convites para a exposição que, tido como triviais em termos de
arte, de fato fazem muito para posicioná-la, determinar seu lugar,
recepção, significado (1996:144).
Daí
que foi possível para os artistas da segunda geração, como Andrea
Fraser, Fred Wilson, Reneé Green, Lousie Lawler, Barbara Kruger,
Allan McCollum - tidos como os mais citados -, iniciarem uma prática
de questionamento que incluíam as discussões feministas, o
pós-colonialismo, além da própria crítica ao apoio que as artes
prestavam à ideologia neoliberal, através dos museus-empresas. Não
somente o museu, ou o sistema de arte, estão em jogo nas práticas
críticas desses artistas, mas posições e definições de sujeitos,
uma episteme que subjaz não apenas as relações museológicas que
se estabelecem, mas também relações sociais que determinam
lugares, seguindo uma hierarquização quase sempre desvantajosa para
negros, mulheres, homossexuais. O museu é o lugar de explicitação
dessas relações sob determinadas práticas. A visão do outro
(especialmente o negro) como exótico ou selvagem, a posição da
mulher como objeto passivo da representação (especialmente de seu
corpo) e quase nunca como agente no fazer representativo; enfim, o
questionamento do outro como objeto, do museu como lugar do
espetáculo e ambiente privilegiado da crescente financeirização da
arte (e do artista). A revelação e questionamento de uma episteme
colonialista e instrumentalizadora são os marcos críticos dessa
nova fase da Crítica Institucional (e que continuam até hoje no
trabalho de alguns dos artistas citados, especialmente Andrea
Fraser).
Porém,
a aceitação dos trabalhos dessa nova geração não foi pacífica.
Alguns críticos veem nesse momento, uma tentativa de ampliação da
Crítica Institucional que acabou por reificá-la mais. E uma
dificuldade de aceitação que nos parece central nesses críticos é
o fato de que essa nova geração modificou o entendimento do que é
instituição, tornando-a generalizada. Entender essa noção
ampliada, essa noção sociológica da instituição, parece tarefa
difícil pra muitos críticos, que acabam, por conta disso, sem
conseguir enxergar um outro lado da crítica dessa segunda geração
em suas práticas e escritos.
Por
exemplo, o crítico Brian Holmes (2007), reconhece, na geração dos
anos 1980, a entrada
das questões levantadas pelo feminismo e a historiografia
pós-colonial, mas acredita que esses artistas permanecem, em sua
prática, presos à instituição, realizando o que ele acredita ser
uma espécie de impotência transformadora. Referindo-se mais
diretamente ao trabalho da artista Andrea Fraser (quem irá
desenvolver um conceito de instituição a partir da teoria
sociológica bourdieusiana), Holmes diz que “a mistura entre a
análise determinística de Bourdieu sobre a clausura dos campos
socio-profissionais, com uma confusão entre a jaula weberiana e o
desejo foucaultiano de distanciar-se de si mesmo, se internaliza em
um tipo de governamentalização do fracasso, que impede ao sujeito
fazer outra coisa que não seja contemplar sua própria prisão
psíquica, mesmo compensado com alguns luxos estéticos” (2007:04).
Ao
encontrar a Crítica Institucional como imersa em uma realidade
circular e reificadora, Holmes sente a necessidade de recorrer a
algumas ferramentas conceituais, a exemplo da noção de
transversalidade,
elaborada pela escola francesa de análise institucional
(particularmente, Guatarri), para pensar em possíveis saídas. Para
o autor, este conceito ajuda a teorizar os agenciamentos heterogêneos
que conectam atores e recursos do circuito artístico com projetos e
experimentos que não se esgotam no interior de dito circuito, mas
que se estendem a outros lugares. “Se se definem como arte os
projetos que daí resultam, dita denominação não carece de
ambiguidades, já que se baseiam em uma nova circulação entre
disciplinas que, com frequência, incorpora uma verdadeira reserva
crítica de posições marginais ou contraculturais – movimentos
sociais, associações políticas, universidades ou cátedras
autônomas – que não podem reduzir-se a uma institucionalidade
omniabarcante” (2007:05).
Desse
modo, Holmes parece querer enfatizar a prática coletiva, em rede e
fora de definições institucionais e disciplinares como uma possível
terceira geração da Crítica Institucional (e/ou como uma prática
de crítica possível no contexto artístico e social atual). E é
compreensível sua tentativa de entender não só o conceito de
campo, mas também o de mundo da arte criado por Arthur Danto, como
fechado, determinístico e, para ele, até fetichista, visto que
pretende realizar uma compreensão da arte como operando em um campo
ampliado, fora da estética. Mas aqui acaba por reproduzir,
realizando uma reflexão epistemologicamente distinta (usando a
teoria de Bruno Latour como base), novamente a ideia de reaproximação
de arte e vida da vanguarda. A completa eliminação de instituições
e definições, a imersão da arte no ativismo político, em outras
disciplinas, implica, como consequência, a eliminação da ideia de
arte. E isso é o que ele pretende aparentemente.
Desse
modo, ele só consegue ver as ações de Crítica Institucional
realizadas nos anos 1980 como algo “sem nenhum tipo de relação
antagonista, nem sequer agonística, com o status quo, sem nenhum afã
de modificá-lo” (2007:06). E ao colocar a ação dos artistas dos
anos 1960 como um exame crítico necessário, e ver a dos artistas
dos 1980 como uma espécie de aceitação da condição institucional
por não desmoronar de vez o que os anteriores iniciaram - a ideia de
instituição-, Holmes, em nossa opinião, se coloca em uma espécie
de encruzilhada. Parece-nos que há uma certa ingenuidade nessa ideia
de Holmes, visto que parece não levar em consideração que essas
operações, invariavelmente, estarão no campo, dentro dele, serão
absorvidas por ele, ampliando-o ainda mais. E o que fazer dessa
crítica proposta por ele quando seja arte? Quando seja estética?
Quando esteja no campo novamente? Há saída nessa sua proposta?
Talvez as práticas de Crítica Institucional poderiam ajudar a
responder essas questões.
O
próprio Peter Osborne não parece muito entusiasmado com a produção
que identifica como sendo neo-conceitual. Deste modo, dá a
impressão de que, a exemplo de outros como o próprio Benjamin
Buchloh e até mesmo Lucy Lippard, parece tentado a ver a Arte
Conceitual como constituindo um momento histórico único e
específico na arte, o qual não se pode retomar – ao menos não
com sinceridade. Porém,
entende que o desafio crítico da Arte Conceitual segue vigente na
arte contemporânea. Mas não cita muitos exemplos de ações nem de
projetos que permanecem críticos nesse período o qual, para ele,
está irremediavelmente tomado pelo mercado, além da anteriormente
citada emergência da instalação como ação artística conceitual
efetiva nesse período. Mas acredita que a busca de rigor intelectual
da Arte Conceitual pode prover uma mirada crítica ao que se produz
atualmente em seu nome (e a partir dos seus métodos). Em suas
palavras:
“A
arte conceitual é
uma categoria dos anos 1960, e os anos 1960 são um território em
disputa por razões que vão mais além da história da arte. (...)
Uma das causas é que a vanguarda dos anos 1960 redescobriu e
readaptou alguns procedimentos básicos inventados pela vanguarda
europeia entre as duas guerras mundiais (Dada, Surrealismo,
Futurismo, Construtivismo), sob novas condições sociais e
artísticas. No processo, transformou seus significados. A arte
conceitual forma um vínculo crucial com uma particular história
cultural e política, o que Jeff Wall chamou de o sonho de um
modernismo com conteúdo social, que continua até nossos dias. Para
outros, estes sonho está acabado. Fica também a questão sobre o
papel das estratégias conceituais na arte atual. Nos anos 1990, o
mundo da arte internacional esteve dominado por um conjunto
formalmente diverso de objetos e práticas pós-conceituais que
combinam a herança da arte dos anos 1960 com as novas orientações
do mercado e a antipatia sobre a teoria que distingui a reação
contra as vanguardas nos anos 1980. A busca de rigor intelectual da
arte conceitual, em sua investigação sobre o que Rosalind Krauss
chamou de condição pós-meio, pode nos prover de um ponto de vista
crítico desde o qual deveria ser julgada a arte do presente.
Inversamente, os novos usos das estratégias conceituais na arte
recente dão às obras canônicas dos anos 1960 e 1970 um novo
relevo” (2002:17).
Aqui,
para mediar essas críticas, é importante ter em mente o que diz Hal
Foster sobre as estratégias da própria vanguarda, as quais, para ele, são
mais performáticas que literais e uma ideia da história como
não-essencial, definitiva e irrecuperável. Essa consciência da
história na pós-modernidade levará, sim, a realização de
apropriações que serão mais favoráveis a um mercado ávido por
novidade. Porém, a crítica também não é uma dimensão que ocorre
uma única vez e
de uma mesma forma.
As
novas condições do campo artístico dadas através da emergência
da arte contemporânea neste, seguida pelas transformações
realizadas pelas vanguardas e a ampliação pós-moderna, fazem
emergir outras formas de crítica, as quais as vezes não parecem
muito evidentes aos críticos e historiadores. Se as apropriações
aparecem como pastiche ou retomadas problemáticas, algumas outras
realizam o mesmo jogo na aparência, mas também estão inserindo o
ruído e o questionamento no interior deste campo altamente ampliado,
pluralizado e diversificado. São agentes duplos que jogam o jogo da
instituição e do mercado (e são vistos por alguns críticos, como
Holmes, como sendo inócuos ou, até mesmo, masoquistas), mas a
tensionam desde dentro, visto que sabem que esta tem o poder de
fagocitação bastante ampliado atualmente, principalmente depois do
discurso pós-modernista validar uma espécie de “vale tudo”. A
arte contemporânea não é um gênero apenas. É também resultado
de um discurso, de uma disputa ideológica no interior do campo da
arte que resultou na mudança do papel de agentes, na configuração
das instituições e exige do público e dos críticos uma nova
postura diante dessa produção. Dentro deste contexto, também a
ação crítica passou por transformações importantes e precisa ser
melhor observada.
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