quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Década de 1980: a volta da pintura, a ampliação do mercado e a situação da crítica


Texto inédito

Desde finais da década de 1970 e início dos anos 1980, alguns fenômenos marcaram a experiência mundial. Cessada, ou pelo menos aplacada (ao menos em aparência), as revoltas sociais dos anos 1960 (especialmente os eventos de 1968), triunfava absoluto o neoliberalismo. Personagens como a primeira-ministra britânica, Margareth Tatcher, e o presidente estadunidense Ronald Reagan representam, em seus discursos e ações, a agenda do neoliberalismo diante do mundo: recrudescimento conservador nas pautas políticas e sociais conectado com uma ideia de flexibilização na dimensão econômica que, em outras palavras, representava diminuição de direitos sociais, precarização do trabalho, privatizações, diminuição do papel do Estado como provedor de políticas públicas de bem-estar e justiça social (aumentando, ao contrário, o seu papel policialesco) e aumento do lucro para empresários e banqueiros.

A arte produzida neste período também  foi influenciada por estes acontecimentos mais amplos. E um dos eventos mais importantes ocorridos nesse momento é a chamada “volta da pintura” e a emergência de um mercado de arte super aquecido. E a alusão a esse momento da arte em que emergem as ideias sobre seu período pós-moderno é fundamental pois a década de 1980 é, aparentemente ao menos, um dos marcos do que hoje é conhecido como arte contemporânea. E nas análises desse período, pululam as críticas em relação aos seus procedimentos, movimentos e relação com o mercado, ao passo que parecem menos visíveis as ações críticas realizadas pelos artistas, 

Segundo Belting, algumas exposições realizadas no período dos anos 1980 “permitem reconhecer que o temor de perder as imagens dos homens ou ainda a pintura como medium desencadeou novamente o apelo a uma mudança de curso ou a uma nova reflexão” (2006:267).  Mostras da época - que celebraram uma pretensa volta ao pictórico e escultórico -, apresentavam um clima de vitória da arte sobre a anterior "tentativa de assassinato" desta, realizada pelos movimentos conceitualistas. E esse pretenso triunfo da arte sobre sua "tentativa de homicídio" interessou bastante ao mercado e à mídia desse período.

Um exemplo interessante do clima artístico deste período, em que as leis de um mercado em intensa efervescência se impunham de maneira agressiva, é o fato de eventos como a Documenta de Kassel - que na década anterior havia abrigado obras realizadas em vários meios, ecoando a produção do período -, declarar uma intenção conservadora em sua versão de 1982, a Documenta 7. Segundo Douglas Crimp (2005), em carta divulgada para os artistas convidados a participar do evento, Rudi Fuchs, curador da mostra, “por um lado, declarava que iria restituir à arte sua preciosa autonomia, enquanto, por outro deixava claro o desejo de manipular as obras de arte individuais de acordo com sua auto-imagem inflada de artista mestre da exposição. (…) Fosse ou não fosse a intenção dos artistas participantes, Fuchs faria um esforço para assegurar que as obras não refletissem de modo algum o seu ambiente: o mundo ao redor, os costumes e a arquitetura, a política e a culinária” (CRIMP, 2005:210).

Segundo Crimp, Fuchs, em seu texto, além de afirmar-se na posição de criador de uma segunda obra com sua exposição (questão que emerge a partir da mudança do status do marchand para o curador, que passa a ser um criador de exposições-arte), revela um rechaço às obras experimentais e realizadas em outros meios (a exemplo do vídeo e performance), além daquelas que criticavam as formas institucionalizadas de recepção e produção da arte (Crítica Institucional). Deixa claro, desse modo, uma preferência por pinturas e esculturas, a maioria de estilo neo-expressionista que, no período, dominava o mercado de arte em Nova Iorque e outras regiões do mundo ocidental, diz Crimp.

E essa tendência de retorno se materializou de maneira mais evidente em dois movimentos ícones do período: a transvanguarda italiana, assim nomeada pelo crítico de arte Bonito Oliva, e o neo-expressionismo alemão. Hal Foster resume esses dois movimentos como sendo o primeiro uma espécie de fetichismo dos estilos e modos passados que nega a historicidade da arte e sua imbricação na sociedade; e o segundo como uma tentativa de reviver um estilo moderno (o expressionismo) e um tipo moderno (o artista como primitivo) de uma maneira nada irônica, mas bastante anacrônica.

Segundo a pesquisadora argentina, Viviana Usubiaga, Bonito Oliva desenvolveu não apenas uma denominação, mas uma verdadeira teoria da transvanguarda, em que ideias como o fim da narrativa linear, da noção de progresso, entre outras, apareciam. Para esta autora, Oliva afirmava que até a década de 1970, a arte de vanguarda havia operado uma espécie de darwinismo linguístico, do qual a arte da transvarguarda se pretendia liberada. Desse modo, “sublinhava uma nova subjetividade do artista, tanto no prazer de suas pulsões e imaginários privados como no reencontro com a matéria da pintura (…). Junto ao hedonismo, o nomadismo era a atitude básica do artista transvanguardista, entendida como a possibilidade de transitar livremente fora de todos os territórios, sem nenhum impedimento” (USUBIAGA, 2012:34). Desse modo, termos como transitoriedade, apropriação, ecletismo, niilismo ativo e hedonismo definem as obras transvanguardistas, fenômeno que se estende até a América Latina durante a década de 1980.

Já o neo-expressionismo alemão realiza uma tentativa “sincera”, nas palavras de Foster, de retomar o expressionismo o que, para o autor, se revela um ato paradoxal visto que as condições sociais que tornavam uma arte crítica na Alemanha da primeira guerra já não são as mesmas. É como se os artistas tratassem o expressionismo não mais como um movimento histórico específico, mas como uma espécie de categoria essencial e natural, estabelecendo uma relação mística com a cultura alemã. Esse deslocamento temporal que não considera mudanças históricas fundamentais acaba por alienar das atuais formas de alienação engendradas pelo capital, diz Foster. E o que era “protesto protopolítico no expressionismo diante da sujeição converteu-se, no neo-expressionismo, numa exposição ideológica da subjetividade” (1996:73).

Ao ver esses dois movimentos como tentativas de recuperação de processos artísticos anteriores à década de 1960 que acabam por revelar-se acríticos, Foster parece aceitar a tese do fracasso da vanguarda que antes rejeitava em Bürger. Sendo assim, realiza uma analogia entre as vanguardas que, na década de 1920, provocaram becos sem saída artísticos, mas que retornaram como tentativas de reelaboração nos anos 1960. Essas tentativas, ao que parece, provocaram novos becos sem saída, a exemplo do minimalismo e conceitualismo, citados por Foster. Mas, para este autor, a reelaboração destes novos buracos no simbólico resultaram mais alienantes do que críticos. Nas palavras de Foster, “a nova arte internacional de figuração expressionística e a postura boêmia nos são vendida como um bálsamo após anos de abstração árida e de envolvimentos pós-estúdio.” Isso leva a que ele se pergunte “e se essa arte assinalasse uma alienação face à história e não um retorno a ela – uma aceitação da divisão cultural do trabalho (o papel do artista como um romântico, um homem de espetáculo, fornecedor de bens de prestígio) e uma legitimação da sujeição social e das tendências autoritárias do presente?” (1996:65)

Esta questão é respondida posteriormente por Foster como: sim, essa pretensa nova-antiga arte, uma espécie de regressão às formas anteriores da pintura e da escultura, é aistórico e alienante. Essa aparente nostalgia pela história, a qual, como diz Belting, parece uma tentativa de encontrar na pintura e escultura (Belting destaca as neo-expressionistas) um símbolo do pensamento contemporâneo, um espírito da época. Segundo este autor, trata-se de uma grande tentação de seguir essas palavras de ordem e construir novamente, a partir delas, a história da arte segundo seu decurso ordenado. Porém, essa alusão à história parece ser realizada apenas para descartá-la, afirma Foster. Uma tentativa de exibir uma liberdade diante da história que, em lugar de contestá-la e criticá-la, realiza um movimento ao mesmo tempo histérico e amnésico.

Porém, estas regressões à pintura, escultura, ao maneirismo acadêmico e até alusões a obra renascentista, não compõem todo o cenário complexo da década de 1980. Embora aparecessem determinando grande parte do movimento do mercado, dos seus agentes, instituições e eventos como Documentas, Bienais, não foram totalizantes. Havia ainda cenários em que tanto a Pop Art como a Arte Conceitual também coexistiam com essas novas formas, marcando um retorno ao visual desta última (além de uma, aparentemente nova, aliança com o mercado). A estas práticas conceituais, realizadas por volta de fins da década de 1980 e os anos 1990, Peter Osborne vai chamar como neo-conceituais. Como exemplo, cita a obra do artista Jeff Koons e suas esculturas de objetos comuns em que o kitsch aparece como característica mais evidente.

Mas esta não foi toda a produção de Arte Conceitual da época. A apropriação e a manipulação de imagens midiáticas ainda foi utilizada como estratégias com intenção crítica. O retorno ao visual desse período (segundo diagnóstico de Osborne) foi acompanhado por uma ênfase crescente na instalação como método de produção, o que resultou na instituição desta como gênero artístico no período dos anos 1980. Isso porque, segundo Osborne, “o marco conceitual contribuiu à definição da instalação, não mais no sentido da disposição de uma obra já existente, mas no sentido de uma produção in situ da obra, em relação direta a seu contexto específico” (2002:80).

Ou seja, vários artistas seguiram produzindo a partir do caminho aberto pela Arte Conceitual, criando ações e obras que desafiavam não tanto o status quo da arte, mas que reivindicavam agora a ampliação de um exame social, institucional e estético. Segundo Hal Foster, nesse momento de produção artística, em que as críticas e os desmoronamentos dos limites parece já haverem sido todos realizados, a preocupação primordial não é mais com as propriedades da arte tradicional ou modernista – com o refinamento do estilo ou a inovação da forma, nem com o sublime estético ou a reflexão ontológica sobre a arte. E, em suas palavras, “embora esteja alinhada com a crítica da instituição da arte baseada nas estratégias de apresentação do readymade duchampiano, não se envolve, como seus antecessores minimalistas se envolviam, com uma investigação epistemológica do objeto ou com uma interrogação fenomenológica até uma resposta subjetiva” (1996:140).

Desse modo, para Hal Foster, esse tipo de ação artística representa o que ele chama de “a mais provocativa arte norte-americana do momento presente” (período da década de 1980) e a situa em uma encruzilhada – das instituições de arte e da economia política, das representações de identidade sexual e de vida social. Essa produção assume que seu objetivo deve estar situado desse modo e coloca-se à espera desses discursos para depurá-los e expô-los ou para seduzir e extraviá-los. Em suma, “esse trabalho não põe entre parêntese a arte para um experimento formal ou perceptivo; em vez disso, procura suas filiações em relação a outras práticas (na indústria cultural e em outras partes); tende também a conceber seu tema de modo bem diferente” (1996:140). Ao reconhecer, na produção da década de 1980, ações que ativam a criticidade e continuam (e ampliam) as ações desconstrutivas e críticas da década de 1960, o autor escapa de cair na noção pessimista (e que, para ele, também é cínica) de que a arte nesse período perdeu toda a capacidade crítica e só pode ser pastiche e/ou cópia acrítica.

Desse modo, a tese de Foster de que ainda existe uma arte crítica na década de 1980 é baseada na prática de alguns artistas que ficaram conhecidos (grande parte deles) como segunda geração da Crítica Institucional. Retomando o diagnóstico feito por Foster (o da ampliação da crítica), há que se dizer que a prática da Crítica Institucional nos anos 1980 se amplia para, não só desvendar estruturas subjacentes nos museus, mas entendê-los como espaços produtores (e reprodutores) de formas de conhecimento e discursos (ideológicos) que são excludentes, desiguais ou economicamente determinados. Em sua segunda fase, a Crítica Institucional operava não apenas no desvelamento (e também), mas na interferência nos modos de produzir conhecimento existente nos museus.

Nesse momento de retomada, a questão da definição do que é Crítica Institucional se tornou mais evidente (e, acreditamos, também necessária). A necessidade vinha da própria prática que pedia novos questionamentos sobre o que é instituição – algo já iniciado pelos próprios artistas da primeira geração – e sobre a inserção em um outro contexto, agora de abertura para o neoliberalismo, financeirização da arte e processos de estabilização dos novos sujeitos emergidos nas lutas dos anos 1960 na arena política (feministas, movimentos negros e queers).

E foi a partir daí que a reflexão sobre a Crítica Institucional tomou corpo e começou a alargar seu campo para além da instituição como museu, galerias ou colecionadores. Se a primeira geração já se havia dado conta de que os artistas, eles mesmos, são também instituição, participam para sua existência, reprodução ou ruptura, a segunda geração desenvolve de maneira ainda mais ampla essa consciência, tornando o sujeito-artista e sua prática o fundamento da Crítica Institucional. A instituição agora é reconhecida como um conjunto de discursos e práticas que, se por um lado são autônomos (no sentido de que conformam seu próprio mundo), por outro estão em estreita conexão com outras instituições sociais que o modelam e conformam também.

Para Hal Foster, os artistas recentes enfatizam mais a manipulação econômica do objeto de arte – sua circulação e consumo como signo-mercadoria – do que sua determinação física pela moldura. Ou seja, escapam ao foco na moldura do museu que era enfatizada mais pela primeira geração. Porém, assim como os primeiros, eles procuram revelar o caráter definicional dos suplementos de arte, só que tendem a dar mais destaque ao que aparece como insignificante institucionalmente (o supervisto) do que ao transparente (o não visto) – isto é, as funções como o arranjo de pinturas em galerias, museus, escritórios, lares, e formas como o press-release e os convites para a exposição que, tido como triviais em termos de arte, de fato fazem muito para posicioná-la, determinar seu lugar, recepção, significado (1996:144).

Daí que foi possível para os artistas da segunda geração, como Andrea Fraser, Fred Wilson, Reneé Green, Lousie Lawler, Barbara Kruger, Allan McCollum - tidos como os mais citados -, iniciarem uma prática de questionamento que incluíam as discussões feministas, o pós-colonialismo, além da própria crítica ao apoio que as artes prestavam à ideologia neoliberal, através dos museus-empresas. Não somente o museu, ou o sistema de arte, estão em jogo nas práticas críticas desses artistas, mas posições e definições de sujeitos, uma episteme que subjaz não apenas as relações museológicas que se estabelecem, mas também relações sociais que determinam lugares, seguindo uma hierarquização quase sempre desvantajosa para negros, mulheres, homossexuais. O museu é o lugar de explicitação dessas relações sob determinadas práticas. A visão do outro (especialmente o negro) como exótico ou selvagem, a posição da mulher como objeto passivo da representação (especialmente de seu corpo) e quase nunca como agente no fazer representativo; enfim, o questionamento do outro como objeto, do museu como lugar do espetáculo e ambiente privilegiado da crescente financeirização da arte (e do artista). A revelação e questionamento de uma episteme colonialista e instrumentalizadora são os marcos críticos dessa nova fase da Crítica Institucional (e que continuam até hoje no trabalho de alguns dos artistas citados, especialmente Andrea Fraser).

Porém, a aceitação dos trabalhos dessa nova geração não foi pacífica. Alguns críticos veem nesse momento, uma tentativa de ampliação da Crítica Institucional que acabou por reificá-la mais. E uma dificuldade de aceitação que nos parece central nesses críticos é o fato de que essa nova geração modificou o entendimento do que é instituição, tornando-a generalizada. Entender essa noção ampliada, essa noção sociológica da instituição, parece tarefa difícil pra muitos críticos, que acabam, por conta disso, sem conseguir enxergar um outro lado da crítica dessa segunda geração em suas práticas e escritos.

Por exemplo, o crítico Brian Holmes (2007), reconhece, na geração dos anos 1980, a entrada das questões levantadas pelo feminismo e a historiografia pós-colonial, mas acredita que esses artistas permanecem, em sua prática, presos à instituição, realizando o que ele acredita ser uma espécie de impotência transformadora. Referindo-se mais diretamente ao trabalho da artista Andrea Fraser (quem irá desenvolver um conceito de instituição a partir da teoria sociológica bourdieusiana), Holmes diz que “a mistura entre a análise determinística de Bourdieu sobre a clausura dos campos socio-profissionais, com uma confusão entre a jaula weberiana e o desejo foucaultiano de distanciar-se de si mesmo, se internaliza em um tipo de governamentalização do fracasso, que impede ao sujeito fazer outra coisa que não seja contemplar sua própria prisão psíquica, mesmo compensado com alguns luxos estéticos” (2007:04).

Ao encontrar a Crítica Institucional como imersa em uma realidade circular e reificadora, Holmes sente a necessidade de recorrer a algumas ferramentas conceituais, a exemplo da noção de transversalidade, elaborada pela escola francesa de análise institucional (particularmente, Guatarri), para pensar em possíveis saídas. Para o autor, este conceito ajuda a teorizar os agenciamentos heterogêneos que conectam atores e recursos do circuito artístico com projetos e experimentos que não se esgotam no interior de dito circuito, mas que se estendem a outros lugares. “Se se definem como arte os projetos que daí resultam, dita denominação não carece de ambiguidades, já que se baseiam em uma nova circulação entre disciplinas que, com frequência, incorpora uma verdadeira reserva crítica de posições marginais ou contraculturais – movimentos sociais, associações políticas, universidades ou cátedras autônomas – que não podem reduzir-se a uma institucionalidade omniabarcante” (2007:05).

Desse modo, Holmes parece querer enfatizar a prática coletiva, em rede e fora de definições institucionais e disciplinares como uma possível terceira geração da Crítica Institucional (e/ou como uma prática de crítica possível no contexto artístico e social atual). E é compreensível sua tentativa de entender não só o conceito de campo, mas também o de mundo da arte criado por Arthur Danto, como fechado, determinístico e, para ele, até fetichista, visto que pretende realizar uma compreensão da arte como operando em um campo ampliado, fora da estética. Mas aqui acaba por reproduzir, realizando uma reflexão epistemologicamente distinta (usando a teoria de Bruno Latour como base), novamente a ideia de reaproximação de arte e vida da vanguarda. A completa eliminação de instituições e definições, a imersão da arte no ativismo político, em outras disciplinas, implica, como consequência, a eliminação da ideia de arte. E isso é o que ele pretende aparentemente.

Desse modo, ele só consegue ver as ações de Crítica Institucional realizadas nos anos 1980 como algo “sem nenhum tipo de relação antagonista, nem sequer agonística, com o status quo, sem nenhum afã de modificá-lo” (2007:06). E ao colocar a ação dos artistas dos anos 1960 como um exame crítico necessário, e ver a dos artistas dos 1980 como uma espécie de aceitação da condição institucional por não desmoronar de vez o que os anteriores iniciaram - a ideia de instituição-, Holmes, em nossa opinião, se coloca em uma espécie de encruzilhada. Parece-nos que há uma certa ingenuidade nessa ideia de Holmes, visto que parece não levar em consideração que essas operações, invariavelmente, estarão no campo, dentro dele, serão absorvidas por ele, ampliando-o ainda mais. E o que fazer dessa crítica proposta por ele quando seja arte? Quando seja estética? Quando esteja no campo novamente? Há saída nessa sua proposta? Talvez as práticas de Crítica Institucional poderiam ajudar a responder essas questões.

O próprio Peter Osborne não parece muito entusiasmado com a produção que identifica como sendo neo-conceitual. Deste modo, dá a impressão de que, a exemplo de outros como o próprio Benjamin Buchloh e até mesmo Lucy Lippard, parece tentado a ver a Arte Conceitual como constituindo um momento histórico único e específico na arte, o qual não se pode retomar – ao menos não com sinceridade. Porém, entende que o desafio crítico da Arte Conceitual segue vigente na arte contemporânea. Mas não cita muitos exemplos de ações nem de projetos que permanecem críticos nesse período o qual, para ele, está irremediavelmente tomado pelo mercado, além da anteriormente citada emergência da instalação como ação artística conceitual efetiva nesse período. Mas acredita que a busca de rigor intelectual da Arte Conceitual pode prover uma mirada crítica ao que se produz atualmente em seu nome (e a partir dos seus métodos). Em suas palavras:

A arte conceitual é uma categoria dos anos 1960, e os anos 1960 são um território em disputa por razões que vão mais além da história da arte. (...) Uma das causas é que a vanguarda dos anos 1960 redescobriu e readaptou alguns procedimentos básicos inventados pela vanguarda europeia entre as duas guerras mundiais (Dada, Surrealismo, Futurismo, Construtivismo), sob novas condições sociais e artísticas. No processo, transformou seus significados. A arte conceitual forma um vínculo crucial com uma particular história cultural e política, o que Jeff Wall chamou de o sonho de um modernismo com conteúdo social, que continua até nossos dias. Para outros, estes sonho está acabado. Fica também a questão sobre o papel das estratégias conceituais na arte atual. Nos anos 1990, o mundo da arte internacional esteve dominado por um conjunto formalmente diverso de objetos e práticas pós-conceituais que combinam a herança da arte dos anos 1960 com as novas orientações do mercado e a antipatia sobre a teoria que distingui a reação contra as vanguardas nos anos 1980. A busca de rigor intelectual da arte conceitual, em sua investigação sobre o que Rosalind Krauss chamou de condição pós-meio, pode nos prover de um ponto de vista crítico desde o qual deveria ser julgada a arte do presente. Inversamente, os novos usos das estratégias conceituais na arte recente dão às obras canônicas dos anos 1960 e 1970 um novo relevo” (2002:17).

Aqui, para mediar essas críticas, é importante ter em mente o que diz Hal Foster sobre as estratégias da própria vanguarda, as quais, para ele, são mais performáticas que literais e uma ideia da história como não-essencial, definitiva e irrecuperável. Essa consciência da história na pós-modernidade levará, sim, a realização de apropriações que serão mais favoráveis a um mercado ávido por novidade. Porém, a crítica também não é uma dimensão que ocorre uma única vez e de uma mesma forma.

As novas condições do campo artístico dadas através da emergência da arte contemporânea neste, seguida pelas transformações realizadas pelas vanguardas e a ampliação pós-moderna, fazem emergir outras formas de crítica, as quais as vezes não parecem muito evidentes aos críticos e historiadores. Se as apropriações aparecem como pastiche ou retomadas problemáticas, algumas outras realizam o mesmo jogo na aparência, mas também estão inserindo o ruído e o questionamento no interior deste campo altamente ampliado, pluralizado e diversificado. São agentes duplos que jogam o jogo da instituição e do mercado (e são vistos por alguns críticos, como Holmes, como sendo inócuos ou, até mesmo, masoquistas), mas a tensionam desde dentro, visto que sabem que esta tem o poder de fagocitação bastante ampliado atualmente, principalmente depois do discurso pós-modernista validar uma espécie de “vale tudo”. A arte contemporânea não é um gênero apenas. É também resultado de um discurso, de uma disputa ideológica no interior do campo da arte que resultou na mudança do papel de agentes, na configuração das instituições e exige do público e dos críticos uma nova postura diante dessa produção. Dentro deste contexto, também a ação crítica passou por transformações importantes e precisa ser melhor observada.

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