quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Resumão 9º Congreso Chileno de Sociología - DIA 1

O Grupo de Trabalho de Sociologia da Arte no 9º Congreso Chileno de Sociología contou com uma diversidade de trabalhos concentrados nas áreas de música, artes visuais e literatura de países como Chile, Argentina, Brasil e México. A coordenação do GT ficou a cargo de Marisol Facuse (Prfª. Drª Universidad de Chile), Laura Lattanzi (Prfª. Drª Universidad de Chile), Tomás Peters (Profº Drº Universidad de Chile y Carolina Ibarra (Universidad Arcis).

Dia 1

A primeira mesa do GT concentrou trabalhos que investigavam a relação entre processos de modernização, relações de poder e a prática artística. A primeira mesa do dia (12.10) teve como título Genealogía De Una Convención Artística: "Los Gobernadores" Signados Por La Colaboración Y La Competencia, 1870-1875 e foi apresentada por Roberto Velázquez (Chile). Nesse trabalho o autor propunha analisar a série de retratos pintados no século XIX, conhecidos como Los Gobernadores, a partir de suas condições sociais e políticas de produção, com o objetivo de criar ou evidenciar uma nova narrativa sobre essas obras icônicas da historiografia e imagética chilena. Em sua apresentação, Velázquez relacionou a época de produção dessa série como sendo um período de ímpeto modernizador na sociedade chilena que gerou, entre outras coisas, o início da estruturação de um mercado de arte local. O autor também cita a Howard Becker e Paul DiMaggio como sustentação teórica desse interesse de observar o fundo político e social desse trabalho que, entre outras coisas, foi legitimador de uma convenção artística no período, especialmente por contar com a ação direta dos próprios governadores na difusão e criação de trabalhos como os da série.

O interesse do autor na construção e criação de uma convenção artística chilena, hegemônica em determinado período histórico, interessante por um lado, não contou com uma apresentação mais evidente sobre em quê consistia essa convenção. Em termos estéticos, não ficou claro qual era essa convenção e qual tipo de estrutura pictórica ou escultórica favorecia (e em detrimento de quais outras). Segundo o autor, não era sua preocupação de pesquisa analisar a obra visto que esta já havia sido bastante analisada anteriormente. Sua ideia era deslindar relações de poder que subjaziam às mesmas. De um certo ponto, o autor conseguiu identificar a participação efetiva dos próprios governadores na ação de difusão e produção desse tipo de trabalho artístico, ao realizar ações como criação de museus, a exemplo de Vicuña Mackena. Mas não fica claro quais outros atores essa rede mobilizou nem que trabalhos artísticos participaram desta. Entendendo que a proposta de Velázquez se dê no nível mais histórico que no sociológico propriamente, é compreensível que seu interesse se centre em processos de modernização e a relação de construção de narrativas desde posições de poder a partir da análise de uma série de trabalhos. Porém, ainda encontro complicadas as análises que se refiram a trabalhos artísticos que os deixem tão em segundo plano, as vezes sem quase mencioná-los. Se existe um trabalho artístico em questão em uma análise, ainda que este seja utilizado apenas como exemplo, é preciso observar, mesmo que minimamente, o que este tem a dizer sobre a questão de pesquisa que dele se depreende. Os trabalhos artísticos não são entidades mudas e inertes. Contém em si uma cadeia de relações que eles passam a incorporar e atuar sobre. Deixar de escutá-los significa perder uma grande dimensão de informação e pesquisa e empobrecer a análise. Do meu ponto de vista, é preciso estar bastante atento a essas questões.

Na sequência dessa exposição, Carlos Araya (Chile) apresentou o trabalho Literatura, Modernidad y Niñez. literatura para niños en el contexto de la modernización de chile entre fines del siglo XIX y comienzos del XX. Foi uma apresentação particularmente interessante pelo nexo realizado entre a noção de construção moderna da ideia de infância e a relação disso com a tradição oral no processo de produção de uma literatura infantil no Chile de fins do século XIX e início do século XX. Relacionando a produção de autoras canônicas como Gabriela Mistral e Marta Brunet no início do século XX com um processo de produção de uma literatura pedagógica que remete ao período de 1530, o autor vai tecendo uma narrativa em que a construção do fenômeno “infância chilena” vai sendo permeado tanto por processos colonizadores, de um lado, como de afirmação cultural local, por outro (cita, por exemplo, a criação de uma gramática Araucana como meio de recuperar a tradição oral desta cultura por Felix José Augusto no início do século XX). A tradição pedagógica das cartilhas coloniais se encontra, na obra de Gabriela Mistral, por exemplo, com a exaltação da cultura mapuche na realização da tarefa política de educar a infância em uma tradição folclórica original. Essa relação se torna mais evidente e estabelecida na obra de Mistral, segundo o autor, a partir da década de 1930. E a partir da análise de alguns trabalhos, Araya vai evidenciando disputas de poder e discursos políticos que estes contêm, em especial a intenção política de enfocar na infância. Ao chegar na década de 1950 em sua análise, o autor observa a entrada, nesse período, de obras para crianças vindas dos Estados Unidos e o impacto desse processo na quebra da construção de uma infância folclórica que se vinha estabelecendo até o momento. Evidentemente que o objetivo do autor não foi o de observar a atualidade desse processo, mas esta apresentação despertou em mim a curiosidade de observar a relação de imaginários sobre a infância e a literatura infantil no período atual. Considerando que, ao entrar em disputa no contexto cultural chileno, o imaginário estadounidense não faz desaparecer o anterior (folclórico), mas torna-se hegemônico e passa a lutar constantemente por negar o anterior para manter a sua hegemonia, a pergunta que esse trabalho deixa para pesquisadores que possam vir a se interessar por esse tema poderia ser: como estaria esse processo de construção da infância e sua relação com a produção literária atualmente, em um contexto de neoliberalismo ampliado no interior da cultura, da política e da econômica chilena?

Esta mesa contou ainda com o trabalho do pesquisador Gustavo Miranda (Chile) sobre a relação entre música e os partidos comunistas no período da década de 1970. O argumento central dessa apresentação foi o de observar como, a partir da musicalidade, é possível entender o cultural e o processo de construção de militância política. Apresentou essa relação a partir da análise de dois selos discográficos relacionados aos partidos comunistas do Chile e do Uruguai evidenciando como a relação musical extrapolou a partidária na criação de vínculos entre os dois países. Por uma dificuldade particular de não conseguir entender bem o autor em sua pronúncia, perdi um pouco da apresentação e de como se estabeleceu aí a música produzida por estes selos nessa relação política com o partido comunista.

A segunda mesa do dia focou em processos de produção cultural e espaço urbano apresentando distintas pesquisas que iam desde a análise da imagética urbana do graffitti e sua relação com um imaginário social mais amplo em Valparaíso, até uma pesquisa de cunho mais intervencionista sobre produtores culturais em bairros periféricos de Santiago. Começando pela segunda, se trata de um projeto realizado em conjunto com a Corporação de Cultura do bairro Independência, periferia de Santiago. A apresentadora, Dayenú Miza (Chile), é moradora do bairro e participa da corporação, a qual iniciou um processo de pesquisa para mapear os produtores culturais locais e dar suporte às suas ações. A autora apresentou um estudo de cunho exploratório realizado com a comunidade de produtores locais do bairro o qual deu a conhecer o perfil destes. Chamou a atenção o dado sobre estrangeiros na comunidade, um número bastante significativo do total de moradores. A pesquisa e a Corporação são parte de um movimento de articulação comunitária e de visibilização política e cultural que, ao parecer, são bastante importantes no contexto de poucas políticas públicas para a cultura em Santiago (e no Chile, de maneira geral). E também aparece como um instrumento de luta urbana em que os bairros periféricos passam a autogerir-se para lutar contra o abandono institucional que os lança na precariedade, tornando os moradores destes lugares agentes ativos num processo de construção de redes e de revalorização do seu espaço urbano. Não ficou claro para mim em que estágio esse projeto está, nem que resultados efetivos tem alcançado nessa construção coletiva de visibilidade e produção cultural, mas o objetivo de articulação é claro e me parece uma importante pauta política a ser discutida: empoderamento e articulação de comunidades para enfrentar a máquina de produção de precariedade e invisibilidade do neoliberalismo.

O trabalho sobre o Graffitti Mural em Valparaíso, apresentado por Marcela Suazo (Chile), contou com uma apresentação teórica bem estruturada. A autora deixa claro seus marco teóricos principais, baseados na ideia de capital cultural de Bourdieu, de construção social do espaço urbano de Lindon e de hegemonia cultural de Williams. O objetivo foi o de identificar quais eram os imaginários urbanos relacionados às disputas na prática do Graffitti em Valparaíso. Observando um conflito entre os graffiteiros e os agentes institucionais, a autora relacionou o que ela identificou como quatro imaginários sociais na base dos discursos destes distintos agentes e nas justificações de seus posicionamentos em relação à prática do graffitti. Estes imaginários foram assim listados por Suazo: 1) Cidade Patrimonial, 2) Cidade Artístico-Cultural, 3) Cidade Turística, 4) Cidade reconhecida pelo graffitti mural. A partir de cada um destes imaginários articulavam-se, por um lado, discursos contra a prática - a partir da justificação de que esta atentava contra a dimensão patrimonial da cidade (Valparaíso foi considerada patrimônio cultural da humanidade pela UNESCO) -; e , por outro, discursos a favor - a partir da justificação de que Valparaíso é considerada uma cidade de vanguarda cultural e reconhecida por sua produção de graffitti mural. Além desses conflitos relacionados a estes imaginários culturais, a autora também identificou conflitos internos entre os agentes praticantes do graffitti mural e sua relação com a institucionalidade municipal. Enquanto alguns defendiam uma autonomia e independência da prática, mesmo ao custo da precariedade financeira, outros defendiam uma profissionalização da prática (e uma aproximação com editais de financiamento e da instância institucional). Em suas conclusões, a autora afirmou que encontrou uma relação entre a prática do graffiti mural e a projeção de uma imagem desejada de cidade. Porém, há uma relação de tensão entre distintos imaginários (e, obviamente, distintas imagens de cidade) em disputa nesse processo, gerando práticas divergentes. Também encontrou conflitos entre a ideia de autonomia e marginalidade com a qual a prática do graffitti tradicionalmente se relaciona com outra em que essa produção passa a ser considerada artística e passível de profissionalizar-se. E dentro destas disputas interessantes que a autora rapidamente apresenta, senti falta de ver como esses imaginários apareciam nos graffitis produzidos por estes grupos estudados. O trabalho se centrou na identificação de imaginários urbanos e nas disputas no interior do campo do graffitti (sua relação entre prática e instituição), mas não observou em que medida o próprio graffitti participa desses processos. Seria bastante mais interessante esse trabalho se a autora tivesse observado a relação do graffitti, as cores que usam, o tipo de traço, as figuras enfatizadas, os muros que são pintados e o diálogo com o entorno, com um tipo de imaginário urbano identificado. Mais uma vez, senti falta de ouvir o trabalho artístico falar e participar da análise.


O dia encerrou com a apresentação de Adolfo Albernoz (Chile) sobre as arpilleristas de Peñalolén. A prática da “arpilleria”, como é chamada aqui no Chile, ficou famosa quando a artista Violeta Parra a tornou mundialmente famosa. Basicamente, se trata de construir quadros e desenhos a partir da costura usando grandes pedaços de tecido. Em sua apresentação, Albernoz enfatiza a formação do grupo de arpilleristas de Peñalolén, durante a década de 1970, como uma importante rede de apoio e proteção às mulheres cujos maridos foram desaparecidos ou presos pela ditadura militar de Pinochet. Os ateliês serviam, por um lado, como forma de sobrevivência mínima para as mulheres, garantindo alguma renda para manter as famílias após o desaparecimento dos seus maridos e, por outro, funcionavam como meio de denúncia destes desaparecimentos. Em seu momento inicial, estas mulheres não se reconheciam artistas e as obras circulavam e eram vendidas no interior de uma rede de solidariedade social e política na qual o teor artístico ou qualidade estética destes trabalhos não eram considerados como determinantes para a aquisição dos mesmos. Porém, a força da mobilização conseguida por estas mulheres e seus trabalhos levou a que fossem reconhecidas como patrimônio cultural chileno. A partir de então, e com o fim da ditadura, essa produção passa a ser incorporada em um outro mercado, não mais esse da economia solidária, mas o da economia da valorização estética do trabalho artístico. No interior desse processo, afirma Albernoz, as arpilleristas passam a sofrer pressão para produzir a partir de determinados critérios estabelecidos por esse mercado, a exemplo da exigência por usar materiais considerados mais valiosos (melhores tecidos, por exemplo) e por aprimorar os traços e as figuras, além de uma exigência por ressaltar temas mais “leves”. Há um evidente processo de racismo e preconceito cultural embutido nessa relação, como deixa expresso Albernoz. Porém, e essa foi a parte mais interessante de sua fala para mim, o autor afirma que apesar de verticais e desiguais, esses processos de incorporação das arpilleristas (que ele identifica como ocorrendo desde antes, no período dos anos 1970 quando a igreja encomendava obras) não são totais nem determinantes para os trabalhos das arpilleristas. Há uma dimensão de escape em que estas, por não estarem completamente vinculadas a estes discursos institucionais da arte, realizam. Não estando a produção da obra vinculada a um processo de venda posterior, permite que as arpilleristas diferenciem distintas demandas, incluindo a delas próprias de produzir algo pelo simples desejo de fazê-lo. Apesar de não aprofundar mais em sua fala essa relação entre artesanato, cultura popular e mercado de arte, pelo curto tempo da apresentação, Albernoz deixou uma pista interessante de uma análise que pode ser feita a partir da relação entre estes mundos da arte.

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