O Grupo
de Trabalho de Sociologia da Arte no 9º Congreso Chileno de
Sociología contou com uma diversidade de trabalhos concentrados nas
áreas de música, artes visuais e literatura de países como Chile,
Argentina, Brasil e México. A coordenação do GT ficou a cargo de
Marisol Facuse (Prfª. Drª Universidad de Chile), Laura Lattanzi
(Prfª. Drª Universidad de Chile), Tomás Peters (Profº Drº
Universidad de Chile y Carolina Ibarra (Universidad Arcis).
Dia 1
A
primeira mesa do GT concentrou trabalhos que investigavam a relação
entre processos de modernização, relações de poder e a prática
artística. A primeira mesa do dia (12.10) teve como título
Genealogía De
Una Convención Artística: "Los Gobernadores" Signados Por
La Colaboración Y La Competencia, 1870-1875 e
foi apresentada por Roberto Velázquez (Chile).
Nesse trabalho o autor propunha analisar a série de retratos
pintados no século XIX, conhecidos como Los
Gobernadores, a
partir de suas condições sociais e políticas de produção, com o
objetivo de criar ou evidenciar uma nova narrativa sobre essas obras
icônicas da historiografia e imagética chilena. Em sua
apresentação, Velázquez relacionou a época de produção dessa
série como sendo um período de ímpeto modernizador na sociedade
chilena que gerou, entre outras coisas, o início da estruturação
de um mercado de arte local. O autor também cita a Howard Becker e
Paul DiMaggio como sustentação teórica desse interesse de observar
o fundo político e social desse trabalho que, entre outras coisas,
foi legitimador de uma convenção artística no período,
especialmente por contar com a ação direta dos próprios
governadores na difusão e criação de trabalhos como os da série.
O
interesse do autor na construção e criação de uma convenção
artística chilena, hegemônica em determinado período histórico,
interessante por um lado, não contou com uma apresentação mais
evidente sobre em
quê consistia essa convenção. Em termos estéticos, não ficou
claro qual era essa convenção e
qual tipo de estrutura pictórica ou escultórica favorecia (e em
detrimento de quais outras). Segundo
o autor, não era sua preocupação de pesquisa analisar a obra visto
que esta já havia sido bastante analisada anteriormente. Sua ideia
era deslindar relações de poder que subjaziam às mesmas.
De
um certo ponto, o
autor conseguiu
identificar a participação efetiva dos próprios governadores na
ação de difusão e produção desse tipo de trabalho artístico, ao
realizar ações como criação de museus, a exemplo de Vicuña
Mackena. Mas não fica claro quais outros atores essa rede mobilizou
nem que trabalhos artísticos participaram
desta. Entendendo que a proposta de
Velázquez
se dê
no
nível mais
histórico
que no sociológico propriamente, é compreensível que seu interesse
se centre em processos de modernização e a relação de construção
de narrativas desde posições de poder a partir da análise de uma
série de trabalhos. Porém, ainda encontro complicadas
as análises que se refiram a trabalhos artísticos que os deixem
tão em segundo plano, as vezes sem quase mencioná-los. Se existe um trabalho artístico em questão
em uma análise, ainda que este seja utilizado apenas como
exemplo, é preciso observar, mesmo que minimamente, o que este tem
a dizer sobre a questão de pesquisa que dele se depreende. Os
trabalhos artísticos não são entidades mudas e inertes. Contém em
si uma cadeia de relações que eles passam a incorporar e atuar
sobre. Deixar de escutá-los significa perder uma grande dimensão de
informação e pesquisa e empobrecer a análise. Do meu ponto de
vista, é preciso estar bastante atento a essas questões.
Na
sequência dessa exposição, Carlos Araya (Chile) apresentou o
trabalho
Literatura, Modernidad y Niñez. literatura para niños en el
contexto de la modernización de chile entre fines del siglo XIX y
comienzos del XX.
Foi uma apresentação particularmente interessante pelo nexo
realizado entre a noção de construção moderna da ideia de
infância e a relação disso com a tradição oral no processo de
produção de uma literatura infantil no Chile de fins do século XIX
e início do século XX. Relacionando a produção de autoras
canônicas como Gabriela Mistral e Marta Brunet no início do século
XX com um processo de produção de uma literatura pedagógica que
remete ao período de 1530, o autor vai tecendo uma narrativa em que
a construção do fenômeno “infância chilena” vai sendo
permeado tanto por processos colonizadores, de um lado, como de
afirmação cultural local, por outro (cita, por exemplo, a criação
de uma gramática Araucana como meio de recuperar a tradição oral
desta cultura por Felix José Augusto no início do século XX). A
tradição pedagógica das cartilhas coloniais se encontra, na obra
de Gabriela Mistral, por exemplo, com a exaltação da cultura
mapuche na realização da tarefa política de educar a infância em
uma tradição folclórica original. Essa relação se torna mais
evidente e estabelecida na obra de Mistral, segundo o autor, a partir
da década de 1930. E a partir da análise de alguns trabalhos, Araya
vai evidenciando disputas de poder e discursos políticos que estes
contêm, em especial a intenção política de enfocar na infância.
Ao chegar na década de 1950 em sua análise, o autor observa a
entrada, nesse período, de obras para crianças vindas dos Estados
Unidos e o impacto desse processo na quebra da construção de uma
infância folclórica que se vinha estabelecendo até o momento.
Evidentemente que o objetivo do autor não foi o de observar a
atualidade desse processo, mas esta apresentação despertou em mim a
curiosidade de observar a relação de imaginários sobre a infância
e a literatura infantil no período atual. Considerando que, ao
entrar em disputa no contexto cultural chileno, o imaginário
estadounidense não faz desaparecer o anterior (folclórico), mas
torna-se hegemônico e passa a lutar constantemente por negar o
anterior para manter a sua hegemonia, a pergunta que esse trabalho
deixa para pesquisadores que possam vir a se interessar por esse tema
poderia ser: como estaria esse processo de construção da infância
e sua relação com a produção literária atualmente, em um
contexto de neoliberalismo ampliado no interior da cultura, da
política e da econômica chilena?
Esta
mesa contou ainda com o trabalho do pesquisador Gustavo Miranda
(Chile) sobre a relação entre música e os partidos comunistas no
período da década de 1970. O argumento central dessa apresentação
foi o de observar como, a partir da musicalidade, é possível
entender o cultural e o processo de construção de militância
política. Apresentou essa relação a partir da análise de dois
selos discográficos relacionados aos partidos comunistas do Chile e
do Uruguai evidenciando como a relação musical extrapolou a
partidária na criação de vínculos entre os dois países. Por uma
dificuldade particular de não conseguir entender bem o autor em sua
pronúncia, perdi um pouco da apresentação e de como se estabeleceu
aí a música produzida por estes selos nessa relação política com
o partido comunista.
A
segunda mesa do dia focou em processos de produção cultural e
espaço urbano apresentando distintas pesquisas que iam desde a
análise da imagética urbana do graffitti e sua relação com um
imaginário social mais amplo em Valparaíso, até uma pesquisa de
cunho mais intervencionista sobre produtores culturais em bairros
periféricos de Santiago. Começando pela segunda, se trata de um
projeto realizado em conjunto com a Corporação de Cultura do bairro
Independência, periferia de Santiago. A apresentadora, Dayenú Miza
(Chile), é moradora do bairro e participa da corporação, a qual
iniciou um processo de pesquisa para mapear os produtores culturais
locais e dar suporte às suas ações. A autora apresentou um estudo
de cunho exploratório realizado com a comunidade de produtores
locais do bairro o qual deu a conhecer o perfil destes. Chamou a
atenção o dado sobre estrangeiros na comunidade, um número
bastante significativo do total de moradores. A pesquisa e a
Corporação são parte de um movimento de articulação comunitária
e de visibilização política e cultural que, ao parecer, são
bastante importantes no contexto de poucas políticas públicas para
a cultura em Santiago (e no Chile, de maneira geral). E também
aparece como um instrumento de luta urbana em que os bairros
periféricos passam a autogerir-se para lutar contra o abandono
institucional que os lança na precariedade, tornando os moradores
destes lugares agentes ativos num processo de construção de redes e
de revalorização do seu espaço urbano. Não ficou claro para mim
em que estágio esse projeto está, nem que resultados efetivos tem
alcançado nessa construção coletiva de visibilidade e produção
cultural, mas o objetivo de articulação é claro e me parece uma
importante pauta política a ser discutida: empoderamento e
articulação de comunidades para enfrentar a máquina de produção
de precariedade e invisibilidade do neoliberalismo.
O
trabalho sobre o Graffitti Mural em Valparaíso, apresentado por
Marcela Suazo (Chile), contou com uma apresentação teórica bem
estruturada. A autora deixa claro seus marco teóricos principais,
baseados na ideia de capital cultural de Bourdieu, de construção
social do espaço urbano de Lindon e de hegemonia cultural de
Williams. O objetivo foi o de identificar quais eram os imaginários
urbanos relacionados às disputas na prática do Graffitti em
Valparaíso. Observando um conflito entre os graffiteiros e os
agentes institucionais, a autora relacionou o que ela identificou
como quatro imaginários sociais na base dos discursos destes
distintos agentes e nas justificações de seus posicionamentos em
relação à prática do graffitti. Estes imaginários foram assim
listados por Suazo: 1) Cidade Patrimonial, 2) Cidade
Artístico-Cultural, 3) Cidade Turística, 4) Cidade reconhecida pelo
graffitti mural. A partir de cada um destes imaginários
articulavam-se, por um lado, discursos contra a prática - a partir
da justificação de que esta atentava contra a dimensão patrimonial
da cidade (Valparaíso foi considerada patrimônio cultural da
humanidade pela UNESCO) -; e , por outro, discursos a favor - a
partir da justificação de que Valparaíso é considerada uma cidade
de vanguarda cultural e reconhecida por sua produção de graffitti
mural. Além desses conflitos relacionados a estes imaginários
culturais, a autora também identificou conflitos internos entre os
agentes praticantes do graffitti mural e sua relação com a
institucionalidade municipal. Enquanto alguns defendiam uma autonomia
e independência da prática, mesmo ao custo da precariedade
financeira, outros defendiam uma profissionalização da prática (e
uma aproximação com editais de financiamento e da instância
institucional). Em suas conclusões, a autora afirmou que encontrou
uma relação entre a prática do graffiti mural e a projeção de
uma imagem desejada de cidade. Porém, há uma relação de tensão
entre distintos imaginários (e, obviamente, distintas imagens de
cidade) em disputa nesse processo, gerando práticas divergentes.
Também encontrou conflitos entre a ideia de autonomia e
marginalidade com a qual a prática do graffitti tradicionalmente se
relaciona com outra em que essa produção passa a ser considerada
artística e passível de profissionalizar-se. E dentro destas
disputas interessantes que a autora rapidamente apresenta, senti
falta de ver como esses imaginários apareciam nos graffitis
produzidos por estes grupos estudados. O trabalho se centrou na
identificação de imaginários urbanos e nas disputas no interior do
campo do graffitti (sua relação entre prática e instituição),
mas não observou em que medida o próprio graffitti participa desses
processos. Seria bastante mais interessante esse trabalho se a autora
tivesse observado a relação do graffitti, as cores que usam, o tipo
de traço, as figuras enfatizadas, os muros que são pintados e o
diálogo com o entorno, com um tipo de imaginário urbano
identificado. Mais uma vez, senti falta de ouvir o trabalho artístico
falar e participar da análise.
O
dia encerrou com a apresentação de Adolfo Albernoz (Chile) sobre as
arpilleristas de Peñalolén. A prática da “arpilleria”, como é
chamada aqui no Chile, ficou famosa quando a artista Violeta Parra a
tornou mundialmente famosa. Basicamente, se trata de construir
quadros e desenhos a partir da costura usando grandes pedaços de
tecido. Em sua apresentação, Albernoz enfatiza a formação do
grupo de arpilleristas de Peñalolén, durante a década de 1970,
como uma importante rede de apoio e proteção às mulheres cujos
maridos foram desaparecidos ou presos pela ditadura militar de
Pinochet. Os ateliês serviam, por um lado, como forma de
sobrevivência mínima para as mulheres, garantindo alguma renda para
manter as famílias após o desaparecimento dos seus maridos e, por
outro, funcionavam como meio de denúncia destes desaparecimentos. Em
seu momento inicial, estas mulheres não se reconheciam artistas e as
obras circulavam e eram vendidas no interior de uma rede de
solidariedade social e política na qual o teor artístico ou
qualidade estética destes trabalhos não eram considerados como
determinantes para a aquisição dos mesmos. Porém, a força da
mobilização conseguida por estas mulheres e seus trabalhos levou a
que fossem reconhecidas como patrimônio cultural chileno. A partir
de então, e com o fim da ditadura, essa produção passa a ser
incorporada em um outro mercado, não mais esse da economia
solidária, mas o da economia da valorização estética do trabalho
artístico. No interior desse processo, afirma Albernoz, as
arpilleristas passam a sofrer pressão para produzir a partir de
determinados critérios estabelecidos por esse mercado, a exemplo da
exigência por usar materiais considerados mais valiosos (melhores
tecidos, por exemplo) e por aprimorar os traços e as figuras, além
de uma exigência por ressaltar temas mais “leves”. Há um
evidente processo de racismo e preconceito cultural embutido nessa
relação, como deixa expresso Albernoz. Porém, e essa foi a parte
mais interessante de sua fala para mim, o autor afirma que apesar de
verticais e desiguais, esses processos de incorporação das
arpilleristas (que ele identifica como ocorrendo desde antes, no
período dos anos 1970 quando a igreja encomendava obras) não são
totais nem determinantes para os trabalhos das arpilleristas. Há uma
dimensão de escape em que estas, por não estarem completamente
vinculadas a estes discursos institucionais da arte, realizam. Não
estando a produção da obra vinculada a um processo de venda
posterior, permite que as arpilleristas diferenciem distintas
demandas, incluindo a delas próprias de produzir algo pelo simples
desejo de fazê-lo. Apesar de não aprofundar mais em sua fala essa
relação entre artesanato, cultura popular e mercado de arte, pelo
curto tempo da apresentação, Albernoz deixou uma pista interessante
de uma análise que pode ser feita a partir da relação entre estes
mundos da arte.
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