sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Resumão 9º Congreso Chileno de Sociología - Dia 2


O Grupo de Trabalho de Sociologia da Arte no 9º Congreso Chileno de Sociología contou com uma diversidade de trabalhos concentrados nas áreas de música, artes visuais e literatura de países como Chile, Argentina, Brasil e México. A coordenação do GT ficou a cargo de Marisol Facuse (Prfª. Drª Universidad de Chile), Laura Lattanzi (Prfª. Drª Universidad de Chile), Tomás Peters (Profº Drº Universidad de Chile y Carolina Ibarra (Universidad Arcis).

Dia 2

O segundo dia começou com uma primeira mesa em que a relação entre teoria estética e sociologia ficaram mais evidenciadas. Além do meu próprio trabalho, apresentaram-se também Tomás Peters com o trabalho Lo Crítico-Cultural en el Arte Actual: Diálogos E Influencias Entre Pierre Bourdieu, Hans Haacke Y Andrea Fraser; e Gino Bailey com a conferência El Arte Prospettico como un habitus de una sociedad basada en las relaciones espaciales.

O trabalho de Peters se baseou no livro Free Exchanges, no qual um diálogo entre Pierre Bourdieu e Hans Haacke revela a dimensão sociológica de parte da prática artística do período, evidenciada especialmente pelo que ficou conhecido posteriormente (na década de 1980) como Crítica Institucional. Peters apresenta essa relação, mostrando trabalhos artísticos de Andrea Fraser, artista que marcou, na década de 1980, a construção do cânone da Crítica Institucional e propõe ao final a análise de um trabalho a partir destas questões. O trabalho escolhido por ele foi o do artista chileno Felipe Rivas, uma vídeo-instalação onde o artista se masturbava em frente a uma fotografia de Salvador Allende que se tornou polêmica e acabou censurada da exposição In-Visible para a qual havia sido selecionada. O trabalhou gerou uma série de ruídos ao interior da política institucional chilena ao ironizar a figura de Allende, produzindo uma reação institucional em cadeia.

Essa discussão ecoou na minha própria apresentação, visto que trato especialmente de analisar os trabalhos artísticos em sua relação com o campo da arte. A conferência que apresentei se chamou Agenciamentos Artísticos: uma proposta de análise sociológica dos trabalhos artísticos e se tratou dos resultados da pesquisa realizada para a minha tese recém defendida. Defendo aqui uma proposta de análise sociológica dos trabalhos artísticos em que estes sejam tomados como agentes, entes ativos em seu processo de significação e reprodução no campo, não apenas objetos de análise. Para criar esse conceito e esse método de análise dos trabalhos, me baseei na ideia de campo da arte, de Bourdieu, de práticas artísticas agonistas de Chantal Mouffe, de obra inorgânica de Peter Bürger, além da noção de artista cúmplice e agente duplo de Hal Foster. A noção de que os trabalhos artísticos realizam lutas discursivas no interior do campo também se relaciona com a prática da Crítica Institucional que inseriu, no interior do campo da arte, práticas artísticas que se constituem a partir da instituição onde se inserem (e de sua crítica).

A mesa seguinte foi dedicada a discussões relacionadas ao campo da literatura e contou com trabalhos bem interessantes. Foram abordadas questões como processos de canonização e o sistema literário, estética literária em meios digitais, mudança social a partir da análise de novelas chilenas do período pós-ditadura e a noção de “ensemblage” e diversidade nas práticas literárias chilenas atuais. Mas o destaque que dou aqui foi em relação ao debate gerado posteriormente a apresentação dos trabalhos. A discussão se centrou em temas como o questionamento de noções de sujeito e a relação com a ideia de autor. Também se discutiu a ideia de relação sujeito-objeto como exteriores, propondo uma noção de que ambos se constituem em relação e, desse modo, a obra e o espectador estão em um processo intrínseco de construção um do outro.

Me chamaram a atenção nessa mesa particularmente os trabalhos de José Rivera, Posdictadura, Neoliberalismo Y Epocalidad. Representaciones Del Cambio Social En La Novela Chilena Reciente. Los Casos De Bolaño, Leonart, Zambra, Contreras Y Labbé e o de Carolina Gainza, Literaturas Y Estéticas Digitales: Análisis De Literatura Digital En Chile. No primeiro, me chamou a atenção como o autor realiza a análise da mudança epistemológica ocorrida no interior da cultura e da sociedade chilena no século XX, desde a ditadura, o processo de instauração do neoliberalismo e o período posterior a isso. Me interessou a análise que o autor realizou, observando a construção dos personagens nas obras de novelistas canônicos, como Bolaños e Contreras, e em como estes expressavam em seus dramas uma mudança de estrutura de pensamento e epistemológica. O exemplo de análise que ele utilizou se tratava de um personagem criado por Bolaños que era neto de um francês imigrado para o chile a finais do século XIX. O avô era um médico que havia vindo ao Chile para realizar voluntariado, no seio de uma estrutura colonial francesa em que este era o iluminado que trazia a luz à escuridão, ou seja, trazia a cura e o conhecimento para um lugar desprovido do mesmo. A conexão do neto com o avô é que este também é médico e, assim como este, também imigra para realizar trabalho voluntário. Só que este imigra do Chile para a África, circulando entre distintos lugares periféricos. E ao contrário do avô, o neto já não crê que irá levar a luz, o conhecimento, a salvação. E essa falta de crença o leva a tornar-se viciado em morfina e, posteriormente, a traficar a droga. Esse exemplo exposto por Rivera apresenta um choque entre duas estruturas epistemológicas, de fins do século XIX e fins do século XX. O avô crê no progresso, acredita estar no topo do processo civilizacional, considera os “outros” a partir da sua cultura “superior”, civilizada. O neto não tem mais uma noção de missão e parece representar o que ficou conhecido como pós-modernidade, ou momento de descrença e contestação da modernidade (ou período do fim das utopias, fim das meta-narrativas e até, para alguns mais descrentes, fim da história).

O segundo trabalho interessante foi o de Carolina Gainza, que focou sobre a literatura digital e os processos de criação nesse meio através de um mapeamento de ações realizadas por poetas de Santiago, Chile. O interessante dessa pesquisa é como Gainza propõe uma observação dos processos de produção literária em meio digital enfatizando questões que o estruturalismo e o pós-estruturalismo já deixava evidente em suas críticas à noção de autor: a ideia de que o sentido deriva de uma única fonte sendo único e unidirecional. A noção de hipertextualidade, ou seja, a derivação de um texto em outros textos é fundamental para entender a existência de produções literárias no meio digital. E além disso, o meio digital insere também a noção de hipermídia: a ampliação do texto para imagens e sons. O interessante desse trabalho é o interesse de Gainza em observar como funciona o processo de criação no meio digital e em como estes geram textos e modos de se relacionar distintos. Ou seja, como a poesia em meio digital, além de ser vista como melhor ou pior que no meio tradicional (o livro), interessa a Gainza como motivadora de outras relações de leitura e de outros sujeitos criados nessa relação a exemplo do que ela define como poeta-hacker, por um lado, e leitor-operador: o leitor como ativador de códigos para realizar a poesia. Mas Gainza também enfatiza, e isso é importante, que essa capacidade ativa do leitor não é ampla, sendo limitada pela própria proposta poética em questão. É importante lembrar nesse ponto que a arte conceitual, o minimalismo e outras neovanguardas já no final dos anos 1960 colocaram a questão do espectador ativo em evidência, com o objetivo de questionar a epistemologia do espectador passivo, ou mero observador. A noção de espectador emancipado colocava em evidência uma relação entre espectador e obra vertical e hierárquica e propõe uma ideia de espectador como participante da construção do sentido e da ação do trabalho artístico. Mas também é importante observar também como essa noção de espectador ativo também pôde ser apropriada pelo museu-espetáculo ou a noção de exposição blockbuster, servindo a um ativamento acrítico e voltado a uma ideia de entretenimento, mais do que de ativação sensível. Além de tudo isso, Gainza enfatizou também a noção de hackeamento, cara à cultura digital, que se relaciona a uma inserção provocadora de quebras no interior do sistema. A noção de hackeamento é onde reside parte da potência política das ações poéticas em meio digital; outra parte reside na noção de compartilhamento e questionamento da propriedade intelectual que a cultura digital põe em evidência.

As mesas seguintes contaram com discussões que iam desde a análise da indústria do comic (Diego Rivera e o estudo sobre os comics de Marvel e DC Comics e sua relação com a política estadunidense), passando por trabalhos centrados na relação entre performance e espaço urbano. Neste último, as discussões variaram entre a análise do movimento estudantil chileno e suas estratégias de ativação do espaço público (Marcela Valdovino, Chile), a noção de performatividade nas manifestações sociais chilenas (José Parra, Chile), chegando na análise da estruturação de um campo de práticas performáticas na cidade de Córdoba, Argentina (María Cabezas, Argentina).

Este último trabalho me interessou particularmente pela relação que Cabezas estabelecia entre identificar os circuitos de performance que estavam constituindo-se em Córdoba a partir da observação das redes que estes grupos criavam, suas interações e as propostas performáticas que elaboravam. Apesar de achar que a autora passou muito tempo da sua análise em uma explicação da dificuldade de definição do conceito de performance, deixando de explorar melhor estes outros aspectos interessantes da sua proposta, acredito que haviam elementos importantes para uma proposta de análise sociológica da performance urbana em seu trabalho. Cabezas se centra na observação do festival Convergências, na edição realizada em 2014, para identificar os artistas que trabalham com a peformance na cidade e passaram a constituir uma rede de práticas que começa a “institucionalizar-se”, segunda a autora. Com institucionalizar a autora está entendendo que estas práticas começam a habitar espaços como o da universidade, mas ainda sem chegar aos museus. Sua análise se complexifica quando começa a preocupar-se em não apenas observar e identificar quem são esses grupos, mas em como interatuam e como a performance está imbricada com todos estes aspectos, e também com os aspectos urbanos que ativam em sua existência. Realiza, portanto, uma análise da performance considerando os elementos estéticos desta, observando questões de sintaxe performática em sua relação com o entorno onde ocorre. A autora conclui sua apresentação afirmando que ainda encontra dificuldades para definir a performance como prática artística e/ou ação de intervenção em um ambiente urbano e coletivo; também afirma ter dificuldades de acesso a informações e aos próprios participantes destas redes performáticas que ainda são fechadas e restritas aos seus membros. Inseriu o facebook no processo de construção da análise por ser o modo mais eficaz de acessar essa rede (que poderia funcionar como um elemento performático mais). A única coisa que senti falta nessa apresentação foi de entender como a autora usa a teoria de Latour (citada por ela como marco teórico) para analisar todos esses elementos. Apesar de explicar o uso da ideia de redes e de mediação de Latour, faltou, para mim, uma melhor relação entre as ideias de Latour com a análise da própria performance que tornaria esse trabalho ainda mais interessante. Ou seja, a performance como um complexo que inclui a ação direta na rua, as pessoas e objetos que participam dela, até o facebook como mobilizador desta. Acredito que a autora intui essa relação e chegará nela em algum momento.

A última mesa do dia apresentou trabalhos em que a relação entre artistas, instituições e mercado foram o centro. O primeiro versou sobre a relação entre artistas e mercado no Chile (Maria Vargas, Chile). Em seguida, foi discutida a relação da institucionalização da arte e o estabelecimento de capital social entre os artistas de Monterrey (Tânia Alonso, México). Por último, se apresentou a relação entre trabalho artístico e novas tecnologias na área da música independente na Argentina (Guillermo Guiña, Argentina). O enfoque nessa mesa estava em questões mais estruturais, com exceção do primeiro que, através da metodologia da produção de relatos de vida, tentou observar a relação dos artistas com o mercado de maneira mais micro (quase individual).

Sobre este, gostaria de comentar que acredito que o tema é bastante relevante e importante, mas penso que esse estudo realizado sobre os artistas e a relação com o mercado me pareceu estar ainda em processo. Havia um importante foco nos artistas, em seus relatos biográficos, suas percepções e estratégias de relação com o mercado. Mas senti falta de uma análise estrutural dessa relação. Em um dos casos estudados, apareceu a relação que a artista estabelecia com o mercado, suas estratégias de criar público e gerar interesse para seu trabalho, produzindo valor, através de ferramentas como o facebook. Mas senti que a apresentação dessas estratégias não vieram acompanhadas de uma análise mais acurada sobre as mesmas. O que significam essas estratégias pessoais no interior da estrutura do mercado de arte neoliberal chileno? Essa pergunta ficou sem resposta para mim. Mas penso que o avançar dessa pesquisa talvez aponte essas questões para as autoras que a apresentaram.

O trabalho da mexicana Tania Alonso versou sobre o processo de institucionalização da arte na cidade de Monterrey, México, e como isto gerou processos de produção de capital social entre os artistas locais. A autora faz um breve relato histórico-geográfico da cidade, evidenciando o caráter industrial e empresarial da mesma e relaciona esse dado com os processos de institucionalização da arte que começa a se formar aí em meados da década de 1990. Essas características, segundo Alonso, fazem com que Monterrey esteja mais identificada ao discurso da arte contemporânea e a uma noção de profissionalização, diferenciando-se das cidades mais ao sul do México em que a produção cultural se identifica a uma identidade cultural indígena. A autora não utiliza a noção de campo da arte de Bourdieu para se referir a esse processo de institucionalização, preferindo o conceito de institucionalização de George Dickie o qual, segundo ela, se baseia nos escritos de Artur Danto. Media essa noção de institucionalização com o conceito de capital social de Bourdieu em sua análise dos processos de profissionalização dos artistas e do mercado local.


O último trabalho apresentado nesse dia, do autor Guillermo Guiña, chamou a atenção para processos de precarização do trabalho na relação com novas tecnologias digitais na produção musical independente. Particularmente me interessou a relação que Guiña estabelece com a noção de espírito do capitalismo de Boltansky e Chiapello, no qual se evidencia como a emergência do discurso empresarial, relacionada à rearticulação do capital que tornou o neoliberalismo hegemônico na década de 1980, insere noções empresariais na cultura. Entre os termos mais comuns desse léxico empresarial na área da cultura, estão as noções de flexibilidade, liberdade, autonomia relacionados à ideia de indústria criativa. Processos que geram o artista produtor, empresário de si mesmo que compete em um cenário de desigualdade (enfatiza como as indústrias de streaming como Spotify são concentradoras de renda no cenário aparentemente democrático da rede digital). A inserção dessas noções de auto-gestão (até mesmo da noção de gestão) na cultura, no plano político, significa um giro na noção de incentivo em produção cultural para o apoio a projetos de economia cultural. O interessante da análise foi apresentar como grupos de artistas independentes passam por um processo de precarização do trabalho musical, em que as novas tecnologias não interferem positivamente no processo de pré-produção e de produção musical. Ou seja, o enfoque do autor era em processos laborais na produção artística e sua precarização e desvalorização sistemática versus noções românticas de autonomia e liberdade no seio de um processo de transformação do artista em empreendedor de si mesmo e concorrente em um mercado desigual e excludente. Se as novas tecnologias, por um lado, parecem facilitar a divulgação e a difusão do trabalho, não são significativamente positivas em processos de gravação e produção do material musical que ainda exigem investimentos em equipamento e em espaços físicos. O mercado de streaming concentra os lucros com as músicas vendidas e se beneficia da renovação da oferta musical realizadas pelos próprios artistas que se auto-gestionam. A análise do autor ainda evidencia relações de trabalho precárias em que os músicos são obrigados a tocar sem receber pagamento em várias situações, com o intuito de ganhar visibilidade. Num contexto de incentivo à auto-gestão, de pouco ou nenhum financiamento estatal na produção musical (cultural), de mercado competitivo e desigual, os músicos independentes são transformados em empreendedores, investidores e administradores dos seus próprios trabalhos, passando a competir individualmente com outras instâncias e agentes da indústria cultural mais organizados e melhor posicionados. E no meio de todo esse processo, a condição de precariedade se mantém obscurecida por uma estrutura de sentimento (Williams) em que a condição de marginalidade da arte é vista de maneira romantizada, segundo Guiña. Esse trabalho despertou meu interesse porque, a meu ver, lança perguntas que acredito ser fundamentais no debate da relação entre arte, mercado, políticas públicas e prática artística são: quais são os tabus que a arte enfrenta na relação com a noção de trabalho? Como considerar o trabalho artístico em um sistema produtivo? Seria a arte um trabalho como outros? E se sim, como proteger os artistas de determinadas dinâmicas precárias e desiguais dos mercados de arte? Creio que estas são questões importantes para refletir e pesquisar.

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