quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Peter Burguer e Hall Foster: duas posições para a análise da obra de arte contemporânea

A questão da arte autônoma no seio da sociedade burguesa já foi, por muitos autores, referenciada como um giro fundamental na história da arte e o marco da passagem desta para sua modernidade. Autonomizar-se significava, para o artístico, liberar-se de funções sociais, de obrigações representacionais, seja teológicas, sejam políticas, para permitir-se pensar a si mesma. O ganho dessa consciência de si, pela arte, implicou em sua secularização, em sua racionalização e, segundo Weber, em sua constituição como esfera autônoma (como campo, diria Bourdieu).

Essa constituição da arte como esfera autônoma implicou, por outro lado, em um cada dia maior afastamento da arte da práxis vital. Esse diagnóstico, já encontrado pelos autores da Teoria Crítica, é visto como o sintoma de uma outra dominação da arte: se esta já não está mais sujeita à religião e a funções sociais de integração, agora serve como via de escape de uma ideologia burguesa de originalidade e distanciamento do social. Para Benjamin, isso é representado pela aura dada à obra de arte, por exemplo.

Peter Bürguer (2008), um dos autores mais importantes para se compreender a arte de vanguarda e seus processos de ruptura no início do século XX, parte deste diagnóstico também. Para ele, considerar a autonomia do campo artístico como uma categoria da sociedade burguesa é o caminho para a reflexão que permite compreender o processo através do qual a arte se desligou do contexto da práxis vital. Sendo assim, ele enxerga o modo como essa autonomia se apresenta, como erguida sobre fortes ideais estéticos – filiados ao pensamento humanista, de orientação filosófica essencialista –, retirando, por essa operação, todo o caráter de construção histórica do processo de autonomização do campo artístico.

Igualmente aos teóricos de Frankfurt, Bürguer identifica que a sociedade burguesa operou a cisão entre o conjunto de elementos que envolvem e compõem a atividade artística e a práxis de vida. Isso gerou uma espécie de “falsa representação da total independência da obra de arte em relação à sociedade” (BÜRGUER, 2008:101), ou seja, sua autonomia. Em outras palavras, o status de autonomia que a esfera da arte adquiriu no contexto da sociedade burguesa, passando, assim, a se configurar como um campo propriamente dito, traduziu a completa separação entre o mundo da arte e o mundo da vida comum.

E é a partir do questionamento que a arte de vanguarda fará a essa ruptura e distanciamento da instituição-arte burguesa em relação à praxis vital que Bürguer baseia a sua análise. Partindo de sua própria constatação de um cenário pessimista, Bürguer vê, exatamente no contexto em que o esteticismo chegou à sua exacerbação, a possibilidade de crítica contra a arte burguesa emergir. Para ele, o movimento de autocrítica só pode ser articulado porque a arte deixou de apresentar uma função e se tornou um fim em si mesma. Dessa maneira, a perda de função da arte como um elemento basilar da arte burguesa foi a condição de possibilidade do momento de autocrítica empreendido pelos movimentos históricos de vanguarda.

Nessa empreitada, aproxima-se de Benjamin por, da mesma maneira que este autor, pretender buscar nos movimentos de vanguarda elementos emancipatórios diante de sua atual configuração – seja como instituição-arte, seja como mercadoria. E, igual a este, verá nos movimentos de vanguarda a operação de um questionamento que não era somente estético, visto que as manifestações da vanguarda tinham como proposta questionar e romper os valores estéticos do sistema de arte enquanto valores da sociedade burguesa de maneira geral. A crítica ao esteticismo, não era somente um questionamento da instituição-arte burguesa e seu afastamento da vida. Era um questionamento dos seus valores, do sistema social burguês que representava. Ou seja, enquanto o esteticismo transformava o distanciamento entre a arte e a práxis vital em conteúdo das obras, os vanguardistas almejavam, a partir da arte, constituir uma nova práxis vital, radicalmente diferente da práxis de vida burguesa, basicamente orientada por uma racionalidade voltada para os fins.

Em outras palavras, as vanguardas operaram não só um movimento estético, mas também social de questionamento da racionalidade instrumental dominante no mundo da vida. E, operando um movimento de autocrítica – uma espécie de desconstrução no interior da instituição-arte – inciaram um processo artístico de aproximação da arte com a vida e, também, de destruição do que era a arte dentro da instituição burguesa.

A arte de vanguarda, portanto, precisava abandonar o caráter de objeto aurático, cuja origem atestava sua autenticidade e, portanto valor de culto, para ser jogada de volta à cidade, à vida. Foi aí que Duchamp fazia um mictório de escultura, ao assiná-lo com um nome falso, operando uma ridicularização do sistema legitimador da instituição-arte (para a qual a origem era um importante sinal de valor da obra). Com essas e outras ações ruptoras, a vanguarda pretendia uma não-arte. Mas com isso não pregava o fim da arte em si mesma, mas a desarticulação do que era essa arte burguesa.

E esse desmantelamento se dava nos níveis da produção e, também, da recepção artística. Ou seja, a tendência vanguardista recusou, ao mesmo tempo, o tipo de produção artística da arte burguesa, de caráter individual, e, também, o tipo de recepção da obra de arte verificado no contexto de desenvolvimento da arte na sociedade burguesa, também individual: aquela recepção que demonstra uma nítida e profunda separação entre quem produz o trabalho de arte e quem o recebe. Desse modo, quebram não somente com o tipo de produção aurática, seguindo benjamin, mas com uma espécie de recepção aurática também, que reforçaria esse caráter sagrado que se impingia às obras. Ou seja, passa-se de um tipo de recepção individual, sagrada, ritualística, inacessível, para um de tipo mais coletivo e acessível, no sentido de que a arte poderia ocupar, inclusive, o espaço de convivência das pessoas – a cidade.

Tornar a arte acessível, dessacralizada, devolvê-la ao nível da experiência, desmantelá-la em seu modo de produção/recepção burguesa, impor uma nova forma de produzir arte, tudo isso fazia parte do projeto das vanguardas históricas. Porém, diz Bürguer, a história as condenou e elas fracassaram em seu projeto ao tornarem-se, anos depois, musealizadas. Isso porque as neo-vanguardas dos anos 1960 retomam todas essas práticas inciadas no início do século XX, mas agora, sem uma pretensão tão violentamente desconstrutiva, dentro da instituição-arte.

Para Bürguer o fracasso começa a se der a partir de uma absorção dos processos ruptores das vanguardas. Por exemplo, por se configurar numa experiência única e de caráter impactante, a estética do choque não apresenta um efeito duradouro, na medida em que sua repetição transforma o sentimento de estranheza que ela suscita em algo já conhecido, familiar. O choque, defende Bürger (2008), passou a ser esperado pelo público que, ao tomar conhecimento das nada convencionais manifestações dos dadaístas e das escandalosas reações que elas provocavam, passou a ir a esses eventos com a expectativa de ver o que tanto estava sendo repercutido nos grandes veículos de comunicação de massa. Tal situação produziu, então, a institucionalização da estética do choque e, com isso, o projeto das vanguardas de destruição da instituição arte e do retorno da arte à práxis vital parecia estar fracassando. A instituição-arte parece ter vencido a vanguarda, reabsorvendo-a em seu interior e reproduzindo-a, tornando-a arte aí dentro.

É aí que Bürguer, que vinha muito próximo de Benjamin em sua análises das vanguardas (caráter de aberto e fragmentário das obras vanguardistas, a noção de alegoria em contraposição à de aura) se aproxima de Adorno em seu diagnóstico final. As vanguardas morreram porque foram absorvidas de volta pelo mercado. Segundo ele, ao invés de se alcançar efetivamente a recondução da arte em direção a uma nova práxis vital (que não a do burguês), o que se conseguiu foi, com a indústria cultural, o desenvolvimento da falsa superação da distância entre arte e vida. E será esse o diagnóstico inspirador para vários autores que se debruçarão posteriormente sobre a arte pós-moderna (ou arte contemporânea): esta não passa de um pastiche do que foi o modernismo, o resultado de um fracasso altamente mercadorizável e acrítico.

E desde esse ponto, é importante observar quais caminhos distintos a tipo de análise se pode tomar, através da leitura que faz Hall Foster (1999) das neo-vanguardas, por exemplo. A análise de Foster sobre as neo-vanguardas é sempre muito intrigante. O fato de ele se utilizar de teorias psicanalíticas para entender o processo criativo realizado pelos artistas que retomavam ações inicialmente realizadas por vanguardas como o Dadaísmo e o Surrealismo já demonstra o quanto este teórico quer desbravar este fenômeno, ao invés de rechaçá-lo. A partir de Freud, Foster pensará as neo-vanguardas como retornos que tentam resolver um trauma: as vanguardas foram eventos culturalmente traumáticos, não digeridos nem entendidos na época de seu primeiro acontecimento, que precisaram ser retomados para, de fato, se realizarem em sua plenitude de potência.

Dessa maneira, Foster acredita existir dois momentos de retorno neo-vanguardista. Um primeiro aconteceu no início dos anos 1950 e, para ele, foi um momento de retorno acrítico, de mera repetição das ações de vanguardas anteriores. O segundo, ocorrido nos anos 1960, representa um retorno mais lúcido e crítico, no qual as neo-vanguardas finalmente conseguem realizar a crítica à instituição-arte preconizada pelas vanguardas. A ampliação da consciência histórica, da formação acadêmica dos artistas são fatores apontados por Foster para essa realização mais crítica do segundo retorno neo-vanguardista. Mas a explicação freudiana é ainda mais interessante para entender o fenômeno por ele apontado.

A partir dessa visão psicanalítica, Foster acredita que na primeira neo-vanguarda ocorre um processo de repetição que parece necessário ao processo de reconhecimento, visto que este conteúdo (a ação da vanguarda) havia sido reprimido no momento de sua primeira manifestação. A segunda retomada acontece num momento posterior. Dessa maneira, já realizada a repetição, esse conteúdo anteriormente reprimido pôde ser elaborado e, dessa forma, criticado. Sendo assim, para Foster, o chamado fracasso da vanguarda histórica e da primeira neo-vanguarda em destruir a instituição-arte capacitou a segunda neo-vanguarda à submeter a um exame desconstrutivo esta instituição. Um exame que, uma vez mais, se amplia até abarcar outras instituições e discursos no que ele chama de “arte ambiciosa” do presente (1999:26,27).

Ao assumir esse ponto de vista sobre as neo-vanguardas, ele bate de frente com Peter Bürguer. O principal erro deste autor, em sua visão, é o de não perceber a dimensão performática das vanguardas e, por isso, tomá-las como um projeto “real” de mudança social e artística ampla que fracassou. E ao assumir essa visão romântica da vanguarda, Bürguer cega para a possibilidade de uma segunda retomada dessas ações performáticas como possibilidades reais de crítica para a arte no período pós-guerra. Sem desconhecer a importância deste autor para a descoberta da dimensão histórica da arte que as vanguardas revelam, Foster também reconhece que a insistência de Bürguer no fracasso da vanguarda e da impossibilidade de um novo projeto artístico o faz cegar à sua própria descoberta de que a vanguarda revela a historicidade de toda arte. Dessa maneira, ele cega para a possibilidade da existência do que Foster chama de arte ambiciosa (ampliação da crítica pré-guerra da instituição-arte, produzindo novas experiências estéticas e intervenções políticas) (1999:16).

Para Foster, Bürguer deixa de perceber as dimensões miméticas e utópicas das vanguardas ao tomar ao pé da letra a retórica romântica de ruptura e revolução destas. A dimensão mimética da vanguarda seria a capacidade de mimetizar o mundo capitalista moderno degradado a fim de não aderir a ele, mas burlá-lo. A dimensão utópica, por sua vez, está no fato de que a vanguarda propõe o que pode ser, quanto o que pode não ser como crítica do que é. Para Foster, a ação vanguardista de ruptura e revolução é retórica no sentido de que é contextual e performativa, não podendo ser tomada como ampla e profunda, como projeto a ser empreendido (à maneira que Bürguer entende) (1999:17).

E a partir da sua crítica à Bürguer e de sua vontade de recorrer à Freud para compreender a ação das neo-vanguardas, é possível perceber como Foster está lidando como elas: como ações performativas, contextualizadas, que operam rupturas na instituição-arte a partir do seu interior. Para ele, o fato de as neo-vanguardas serem “institucionalizadas” não é um problema, ou um índice claro de fracasso ou negação da crítica. Ao contrário, para ele são as neo-vanguardas que estão institucionalizadas as que parecem possuir a capacidade crítica mais acentuada.

Porém, ao mesmo tempo, são essas as neo-vanguardas responsáveis por constituir o mercado de arte contemporânea altamente volátil e incorporador de novas ações, sejam elas precárias, efêmeras ou críticas. E essa dupla face das neo-vanguardas, que depois se revelará a dupla face da arte ambiciosa do presente, como o autor revela, estará sempre presente na obra de Foster, como uma sombra. A análise pós-estruturalista e desconstrutiva derridiana que este autor parece se empenhar em desenvolver, o deixa alerta para a possibilidade da adesão disfarçada de crítica como um modus operandi da arte, inaugurado pelas ações das neo-vanguardas.

Sem negar sua base Teórica Crítica, Foster reconhece também a dimensão de captura que ronda a produção artística. Sem querer se entregar ao totalitarismo do pensamento pessimista, por conta de sua inspiração derridiana, ele vê essa captura operando, não como algo obsedante e sem saída, mas através de uma espécie de jogo, no interior do qual a prática do artista é algo fundamental.

Há, em sua visão, uma espécie de fronteira entre a desconstrução (a prática crítica) e a cumplicidade (inserção nas regras do mercado). O jogo desconstrutivo da arte abriga a possibilidade de promover críticas profundas no interior da instituição mas, ao mesmo tempo, também tende a promover uma espécie de “cinismo” adesista, como diz Foster. Em outras palavras, a arte contemporânea pode tornar-se uma ação no interior da instituição-arte que, em discurso, tenta desconstrui-la, mas que, em prática, apenas a reforça, compartilhando de seus princípios de mercado.

E é nesse momento que a performatividade artística entra em questão na “luta” contra o mercado e a neutralização da crítica que realiza. O artista como agente, mesmo que Foster não o defina dessa maneira, parece ser dotado do poder de jogar com essas regras, de fazer o jogo desconstrutivo ou o jogo cúmplice na arte, mesmo que posteriormente sua obra escape de seu alcance. E essa dimensão performática da ação política na arte é vista de melhor maneira nas ideias de agente duplo e artista cúmplice que ele desenvolve.

O artista cúmplice e sua potencial versão cooptada de agente duplo, abarcam, portanto, essa dimensão sutil e performática da passagem para um lado ou outro desse limite entre a adesão e a subversão, acima referida. Pensada por Hal Foster (1996), essa ideia permite visualizar, por um lado, a operação artística que “se faz” de cúmplice do mercado para operar críticas a partir de seu interior e, por outro, a ação que “se faz” de subversiva (ou que anula uma anterior dimensão ruptora) para se tornar melhor cotada no mercado. Através dessas construções analíticas, Foster parece visualizar uma espécie de passagem secreta, tênue e precária que, uma vez encontrada pelo artista, o dota da possibilidade de operar a crítica, mesmo estando completamente inserido no jogo mercadológico (apesar de reconhecer que, por outro lado, pode operar a reprodução desse mercado passando pela mesma passagem secreta).


segunda-feira, 19 de setembro de 2016

TEXTÃO: Pensando a partir das considerações da mesa Gestão Cultural para a Promoção de Cultura Livre


Na mesa inaugural do 1º Congreso On Line de Gestión Cultural, cuja videoconferência com a participação dos cinco projetos selecionados ocorreu na última quinta (15.09), o debate girou em torno de processos de gestão de inciativas de cultura livre. Nessa discussão, ficou exposto na fala dos palestrantes um incômodo que sinto desde que comecei a ver as palavras gestão e cultura livre juntas: como aliar o conceito de gestão, diretamente relacionado ao vocabulário capitalista e empresarial, com a ideia de cultura livre? Essa foi uma questão que surgiu em quase todas as falas e, em muitos casos, se destacavam também as dificuldades e contradições que se sentia em torno à gestão da cultura livre.

A aparente dificuldade prática dessa relação começa, pra mim, na relação contraditória que essas duas ideias, que vêm de estruturas discursivas distintas, estabelecem. Segundos os sociólogos franceses Eve Chiapello e Luc Boltanski, a reestruturação do capitalismo durante os anos 1980 e 1990 ocorreu em torno dos mercados financeiros e da apropriação do âmbito da cultura, gerando o que eles chamam de novo espírito do capitalismo. O importante dessa definição é compreender que essa reestruturação do capitalismo, para ser efetiva, necessitou recorrer de maneira forte à elaboração de um novo vocabulário, criando termos que se referiam à gestão empresarial e financeira, mas que acabaram alcançando o nível cultural mais amplo, sendo usados inclusive para se referir ao universo artístico e da produção cultural. E como processo ideológico que é, tanto quem era a favor como quem era contra passou a usar os mesmos termos para nomear processos similares. Segundo os autores:
O espírito do capitalismo é justamente o conjunto de crenças associadas à ordem capitalista que contribuem para justificar e sustentar essa ordem, legitimando os modos de ação e as disposições coerentes com ela. Essas justificações, sejam elas gerais ou práticas, locais ou globais, expressas em termos de virtude ou em termos de justiça, dão respaldo ao cumprimento de tarefas mais ou menos penosas e, de modo mais geral, à adesão a um estilo de vida, em sentido favorável à ordem capitalista. Nesse caso, pode-se falar de ideologia dominante, contanto que se renuncie a ver nela apenas um subterfúgio dos dominadores para garantir o consentimento dos dominados e que se reconheça que a maioria dos participantes no processo, tanto os fortes como os fracos, apoia-se nos mesmos esquemas para representar o funcionamento, as vantagens e as servidões da ordem na qual estão mergulhados. (BOLTANSKY & CHIAPELLO, 2009, p.42)

Com o perdão da citação, meu interesse aqui é entender porquê processos de cultura livre, que se contrapõem diretamente às formas de produzir, distribuir e consumir cultura que se consolidaram (ou se radicalizaram) nesse período da década de 1980 também utilizam esse vocabulário técnico-empresarial. Como a ideia de gestão, que se relaciona com a maximização dos lucros ou dos resultados, pode ser utilizada no seio de um pensamento que pretender, mais do que lucro, pensar a viabilidade de projetos que não pretendem ser comercializados ou fechados?

Comecei a ver a conferência tendo essa inquietação em mente e achei interessante como o debate foi iniciado. A pergunta que inaugurou a mesa, “qual a chave da sustentabilidade de projetos de cultura livre?” levou a várias reflexões sobre como não só pensar formas de tornar viáveis projetos de cultura livre, mas pensar a própria existência desse tipo de proposta dentro de um sistema econômico cultural baseado na noção de lucro e investimento.

O representante de Panorama 180 Andreu Mixidie, grupo organizador do festival BccN, foi o primeiro a debater a questão e o que mais demonstrou incômodo e incerteza em torno da questão da sustentabilidade de projetos culturais. Levando a questão a um debate mais filosófico, pensava sustentabilidade em termos mais amplos e tentava não reduzir o tema a uma única resposta possível.

Já a representante de Ediciones La Terraza, Barbi Couto, colocou a questão da sustentabilidade em um terreno mais prático. Sendo uma editora que propõe publicar livros ilustrados usando licenças creative commons e financiamentos alternativos (croudfunding, entre outros), Barbi Couto situou a questão da sustentabilidade no seio do mercado editorial. Considerando dificuldades como distribuição e comercialização de livros dentro desse mercado amplo e disputado e, também, tendo em conta o tamanho da editora, Barbi Couto considera que o fato de terem optado por focar na cultura livre foi positivo para possibilitar o projeto. Ou seja, disponibilizar os livros para download grátis foi um veículo que facilitou a divulgação e circulação dos livros, dos autores e, obviamente, do nome da editora. A própria Barbi Couto usa o termo “carta de apresentação” quando se refere ao site da editora e à possibilidade de fazer download grátis dos livros no mesmo. Ao citar um exemplo em que uma das campanhas de croudfunding que a editora realizou recebeu a colaboração de pessoas de nove países distintos, graças à difusão via web dos livros anteriores e da circulação do nome da editora entre ativistas da cultura livre e creative commons, deixa claro como a criação de redes foi importante para viabilizar economicamente o projeto da editora. Ao falar sobre como realiza a comercialização dos livros impressos em um mercado tradicional, afirma que o faz a partir de determinados critérios, selecionando apenas algumas livrarias que se interessam por comercializar livros-objeto e ilustrados (e provenientes de editoras pequenas). Também comercializam os livros em feiras. Mas o processo de vendas dos livros, segundo Barbi Couto, é mais lento e gradual, podendo gerar recursos para publicar outros livros, mas sem ser o que sustenta o projeto da editora. O projeto, segundo Barbi Couto, se amplia e revigora na construção de redes que vai gerando. Nesse ponto, a fala de Couto começou a me provocar uma suspeita de que a ideia de redes, a noção de colaboração e compartilhamento, nesse caso, estão apenas servindo à sustentação de um projeto editorial, mais do que pensando essas próprias ferramentas em si. Mas vejamos mais adiante.

Uma contribuição, que para mim gerou um contraponto interessante a essa fala de Couto, foi a de Rodrigo Savazoni , do Instituto Pró-comum (Santos, São Paulo). O projeto Laboratório Cidadão, realizado pelo Instituto Pró-Comum em Santos, é uma proposta de ação que pretende, a partir da cultura livre, estabelecer um “marco de possibilidades de interferência nas culturas políticas e econômicas que marcam as nossas cidades”, segundo palavras de Savazoni. Desde essa proposta de cultura livre voltada para a questão da participação cidadã, Savazoni reflexiona sobre a sustentabilidade pensando, primeiro, em que marcos teóricos essa palavra deve ser pensada. Propõe, portanto, pensar em sustentabilidade como “instrumento de afirmação de novas culturas econômicas”. Ao enfatizar, junto a ideia de sustentabilidade, as noções de economia colaborativa e economia solidária, Savazoni abre um importante espaço para o debate sobre como os termos do capitalismo financeiro e empresarial precisam ser problematizados no interior da cultura livre. Se sim, é verdade que os projetos de cultura livre para existir necessitam de algum tipo de financiamento, e Savazoni recorda as diversas fontes possíveis (seja via pública, via empresarial ou inciativa dos próprios usuários), também é importante considerar que se a ideia de economia e cultura não são refletidas e ressignificadas, facilmente a ideia de cultura livre pode se perder. Para Rodrigo Savazoni, o importante é pensar a cultura livre como instrumento de modificação da ideia de economia.

Outra pergunta que me chamou a atenção foi “como, desde a cultura livre, se pode gerar novos modos de gestão cultural”. Aqui, novamente, vi que a relação da cultura com o vocabulário empresarial, que como dissemos acima foi enfatizada especialmente a partir dos anos 1980, ainda é fortemente presente, mesmo quando se trata da reflexão sobre cultura livre.

Durante as reflexões sobre este tema, novamente achei que a fala de Barbi Couto acabou voltando-se para um lado mais prático da gestão de um projeto editorial que, para realizar-se, necessita de apoio coletivo e a ideia de colaboração que emerge aqui é a de: é necessário um apoio coletivo para a realização de um projeto cultural o qual, ao ser produzido, é disponibilizado coletivamente para todas e todos que contribuíram. É uma ideia interessante desde o ponto de vista da viabilização de projetos culturais sem a obrigação de participação em um mercado desigual e extremamente competitivo, por um lado, e sem o financiamento estatal, por outro. Mas sinto na fala de Barbi Couto que sua noção de colaboração e compartilhamento, centrada na produção e no acesso ao produto cultural e na visibilidade dos autores e da editora, torna possível um processo de posterior captura por um mercado editorial. Porque, em sua fala, ela deixa transparecer uma noção de rede e de comunidade muito restrita, baseada naqueles que colaboram para a criação de um livro, aqueles que o compartilham e/ou que se interessam pelo projeto e querem colaborar.

Claro que as comunidades não necessitam ser necessariamente amplas e universais e eu acho que um ponto importante destacado pela cultura livre é a possibilidade de formação de pequenas comunidades que passem a ter a possibilidade de existir e compartilhar cultura e informação fora de circuitos oficiais. Mas o que me causa incômodo na reflexão de Couto é a falta de ênfase nas questões mais de fundo dessa relação colaborativa e aberta em sua fala, deixando a sensação de uma compreensão de colaboração que se limita à viabilidade de um projeto que, de outra maneira, seria inviável. Ou seja, sua fala me deixou com a sensação de que o projeto, ao não realizar uma crítica mais profunda ao mercado editoral, seus sistemas de circulação e comercialização, apenas corre à margem deste, podendo passar a participar do mesmo caso tenha a possibilidade. Pensar sobre redes e criação de comunidade é algo que, a meu ver, deveria ser um fim em si mesmo não uma via para conquistar algum outro objetivo e digo isso sem querer fazer julgamento moral do projeto Ediciones de La Terraza. Está bem que alguém necessite viabilizar um projeto que é interessante sem ter que recorrer às mesmas vias de financiamento de sempre, podendo fazê-lo desde uma comunidade de pessoas que acreditam nele o suportam. Porém, creio que o fato de usar licenças creative commons, apesar de interessante e contra-sistêmico, nem sempre significa pretender construir novas comunidades ou propor modos de existir e fruir diferentes dos estabelecidos. Podem estar apenas viabilizando-se de formas alternativas (e colaborando para o que os palestrantes na mesa chamaram de capitalismo 2.0). Creative commons como estratégia de marketing é uma possibilidade a se considerar dentro do que se chama cultura livre. É bom ficar atento.

Nesse aspecto, Mixidie, quando deixa em evidência sua sensação de incerteza sobre o que significa gestionar um projeto, me deixa a impressão de estar entendendo a cultura livre de maneira mais ampla que apenas um projeto cultural aberto ao compartilhamento. Em sua fala, deixa clara uma noção de comunidade que, a meu ver, se pode colocar em contraste à anterior, no sentido de que pensa a comunidade não só como um grupo de pessoas que pode apoiar (ou se apropriar ou até compartilhar) um projeto.

Na fala de Mixidie, parece que a própria noção de coletividade está posta em questão, assim como a condição de trabalhadores da cultura dele e de seus companheiros organizadores dos festivais. Esse lugar indecidível, para usar termos derridianos, em que ele coloca sua condição de trabalhador da cultura - uma condição precária e pouco definida que não o garante sequer a sobrevivência -, a necessidade de pensar as contradições entre necessitar defender uma sobrevivência mínima e, também, defender a total abertura dos projetos que produz, evidencia, para mim, o real desconforto que a cultura livre e sua ideologia de abertura, acessibilidade, colaboração, horizontalidade, etc., vivenciam no seio da estrutura ideológica neoliberal. Pensar nesses termos significa pensar mais profundamente nas estruturas culturais e ideológicas em que se está produzindo a cultura livre, independente das tecnologias que utiliza e meios que ocupa para se distribuir. Não estar confortável e demorar muito para conseguir se estabelecer e produzir algo, segundo Mixidie, significa que a possibilidade de captura pelo mesmo sistema capitalista de que se pretende escapar pode estar mais improvável. Sua defesa de gestionar a contradição de ter que participar dessa estrutura neoliberal e, ao mesmo tempo, enfrentá-la e contradizê-la parece vir junto com o desconforto de não encontrar respostas para como se soluciona essas contradições. E essa demonstração de incômodo e desconforto é bastante valiosa, no meu entender, para compreender projetos que verdadeiramente estão buscando uma outra forma de pensar economia e sua relação com a cultura, ou novas culturas econômicas, novas economias, etc.


Nesse ponto, o debate tomou um rumo interessante para começar a pensar a institucionalidade atual e possibilidades institucionais novas, ou novas imaginações institucionais. A partir da provocação de um dos participantes sobre a questão da autonomia e a relação da política anarquista com a cultura livre, o debate começa a girar em torno de como se manter autônomo frente às atuais instituições modernas que produzem e reproduzem a ideologia neoliberal. Ou então, de que maneira construir novas institucionalidades que permitam a possibilidade de experimentar a cultura livre de maneira mais ampla. Nesse ponto da discussão, Rodrigo Savazoni se refere ao tropicalismo e à antropofagia - manifestos culturais que embasaram os modernismos e vanguardas artísticas do Brasil -, para se referir a estratégias de entrar e sair das estruturas. Segundo ele, esse tipo de procedimento se referiria a um processo de estabelecer conexões com distintos pontos de forma a caminhar a um ponto democrático de relação entre as instituições. Excetuando que talvez a noção de antropofagia não esteja sendo empregada tão adequadamente - ou que esteja sendo estendida de uma noção de produção criativa que se utiliza do canibalismo do outro para incluir uma noção de democracia -, o que Savazoni propõe, me parece, é pensar em institucionalidades futuras, uma criação institucional baseada em redes e interconexão e em uma possível nova lógica de construção mais horizontal e aberta. Levando em consideração o atual contexto brasileiro e a flagrante falência institucional que vivenciamos, me parece lúcida a consideração, mesmo que esta proposta esteja dada em termos gerais, sem pouca consideração efetiva de como se construiriam essas novas instituições.

De uma maneira geral, o debate provocado nesta primeira mesa foi interessante para demonstrar os ainda muitos desafios da cultura livre. Pensar os projetos e sua realização, no interior da cultura econômica neoliberal, propõe uma série de questionamentos que se referem desde “qual é o limite do pagamento justo e do lucro?” até questões que se relacionam com questionar "o que é realmente um coletivo?”, e, como, de fato,” realizar propostas horizontais e comunitárias?”. A necessidade de financiamento para os projetos esbarram as vezes em questões éticas sobre quem são os financiadores e quais são suas intenções em relação a estes. A possibilidade de captura dos projetos é algo que paira como uma sombra e o desafio é lidar com ela, discutir e elaborar criticamente cada projeto e proposta constantemente. O caminho para uma nova institucionalidade é largo e difícil de caminhar. Não será fácil sair da instituição econômica neoliberal e isso se torna aparente quando a cultura livre usa os mesmos termos dessa matriz ideológica, mesmo que de maneira ressignificada. Hackear esse sistema desde dentro, como muitos da cultura livre gostam de afirmar, é um caminho – e um bastante importante. Mas o desafio posto é pensar um para além, um futuro: o que fazer para além dessa matriz neoliberal? Como criar novas instituições? Como pensar novas economias e culturas? O incômodo parece estar longe de resolver-se.


Para assistir à conferência, clica no canal do Ártica no youtube: https://goo.gl/iO4kFk


quarta-feira, 14 de setembro de 2016

MESA 1: Gestión Cultural para la Promoción de Cultura Libre

Un proyecto de promoción de cultura audiovisual libre: Festival BccN

El 1º Congreso On Line de Gestión Cultural ya empezó. Desde ayer (13.09) es posible acceder a las cinco ponencias participantes de la mesa inaugural del evento en el sítio de Ártica – Centro Cultural On Line (pincha aquí: http://goo.gl/RnpaBZ ). El próximo jueves (15.09), se realiza la video-conferencia de la mesa, momento en que los autores de las ponencias seleccionadas hablarán en vivo y podrán ser interpelados por el público vía on line. La conferencia será transmitida en vivo, desde las 16 hrs. (hora de Brasília y Santiago), por el canal de Ártica en youtube (http://goo.gl/4SSM5w).

Las ponencias elegidas para participar de esta primera mesa relatan experiencias de proyectos de gestión y promoción de cultura libre en ciudades como São Paulo (Brasil), Córdoba (Argentina), Patagonia (Argentina) y Barcelona (España). Los proyectos son diversos y proponen desde la creación de tecnologías de mapeo colaborativo con el fin de promocionar redes culturales, hasta la creación de una editorial colaborativa y la promoción de festivales de cine para difundir material audioviosual realizado bajo parámetros de cultura libre.

Ayer, en el primer post sobre esta mesa, comenté brevemente sobre el proyecto Ediciones de La Terraza, de Córdoba, Argentina. La característica que llamó mi atención en este proyecto es su preocupación por la colaboración y la amplitud del acceso a la cultura junto a una preocupación estética con el objeto-libro que producen. Enfatizar el carácter objetual y estético del libro no les impide pensar en una propuesta creative commons, reproducible y accesible, yendo en contra a las normas del mercado editorial. Para ver más sobre este artículo (que está en portugués), pincha aquí: https://goo.gl/9XJxpZ

En este post, me gustaría poner el acento en otro proyecto, el de la Asociación Panorama 180: la realización del festival de Cine y Cultura Libre de Barcelona (BccN). El festival, de carácter creative commons, lleva siete años realizándose y logró crear una red abierta donde más de 30 festivales de las mismas características son realizados. En las palabras de Andreu Meixide, miembro de Panorama 180: “En los últimos años un buen grupo de gente hemos desarrollado diferentes proyectos como BccN, Barcelona Creative Commons Film Festival, el que en 2010 fue el primer festival del mundo de estas características y que comenzó a propiciar a partir del 2012 aplicándose a él mismo una licencia abierta que se replicara en diferentes pueblos y ciudades del planeta. De éste modo descentralizado y basado en la autogestión de cada festival se ha ido creando CCWorld REd de Comunes Audiovisuales, una red abierta con más de 30 certámenes de audiovisual y cultura libre sobre todo en países de habla hispana”.

Lo interesante del festival es su realización por varios espacios de la ciudad, incluyendo diversos centros culturales, hasta el mismo Museo de Arte Contemporáneo de Barcelona (MACBA). Una propuesta de inmersión cultural en sus cuatro días de duración. La programación incluye la exhibición de películas con licencia creative commons y también workshops, debates, mesas redondas y charlas sobre temas como - tomando el ejemplo de la edición del 2016 - derechos de autor, la relación entre el Estado y los inmigrantes, la aplicación de códigos abiertos en el audiovisual, la medición del retorno social del audiovisual, entre otros temas. También está la realización de conciertos durante el festival. El modelo variado y amplio de actividades es de código abierto, o sea, aquellos que lo crearon no detienen los derechos de este modelo de festival que puede (y se supone que debe) ser replicado por otros grupos y personas, en tanto respenten la premisa básica de la accesibilidad y de la apertura del mismo.

En la ponencia del grupo queda en evidencia una sensación de constante desafio enfrentado por este modelo de festival que no objetiva el lucro, sino más bien el acceso a la información y la cultura. Una de las dificultades que se deja leer en el texto es la de la consideración de los contextos locales en el medio de una cultura que se cree global. El modelo de festival, pensado y gestionado en Barcelona, ya ocurre en 30 otros lugares, y recién empezó a realizarse en Uruguay también. Si bien que cuestiones como los debates sobre la apertura de la internet y su neutralidad, las crisis de inmigración, el derecho de autor, entre otras, son más bien ampliamente conocidas, hay otras que son de carácter más local que también necesitan la atención y discusión. Crear un modelo abierto pasa, necesariamente, por tener claro que este será modificado y cambiado desde las necesidades e intereses de los que se apropian de él. Si no, sería más un producto global eurocentrado, capitalista y colonialista, para el cual las diferencias culturales son una incomodidad o algo a ser ignorado. Pero la cuestión está en cómo cada festival realiza esas adaptaciones locales y logran gestionarse sin perder de vista la idea base de apertura y acceso amplio. Parece que este es un desafío también para el grupo que organiza el festival y quizás durante la conferencia esta cuestión pueda ser mejor discutida por los representantes de Panorama 180.

Mañana, durante la conferencia, intentaré esclarecer como Panorama 180 plantea esta cuestión de las diversas realizaciones locales del festival BccN, además de otras relacionadas al asunto de la participación del público y del proceso de ampliación de esta red creada. También será importante intentar investigar cómo los artistas y otros actores culturales participan de esta actividad y cómo el mismo grupo logra generar este trabajo (con qué recursos y con qué colaboraciones). Sigan el Reflejo para más informaciones. #GCultural2016

Para conocer más sobre el festival, pincha aquí: http://www.bccn.cc/

Y aquí para conocer al Panorama 180: http://www.panorama180.org/

terça-feira, 13 de setembro de 2016

MESA 1: Gestión Cultural para la Producción de Cultura Libre

Um projeto editorial livre: Ediciones de la Terraza

A mesa que inaugura o 1º Congreso On Line de Gestión Cultural discute a temática da gestão cultural para a produção de cultura livre. A partir de hoje (13.09) até o fim dessa semana, é possível acompanhar no site do Ártica – Centro Cultural On Line (http://goo.gl/RnpaBZ) as cinco palestras selecionadas e as perguntas lançadas para gerar o debate. Na próxima quinta (15.09), será realizada a videoconferência da mesa, onde as discussões trazidas pelos palestrantes serão ampliadas através da participação on line do público. A conferência será transmitida ao vivo, a partir das 16h (horário de Brasília e Santiago), no canal do Ártica no youtube (http://goo.gl/4SSM5w)

Foram escolhidos cinco projetos de promoção de cultura livre provenientes de São Paulo (Brasil), Córdoba (Argentina), Patagônia (Argentina) e Barcelona (Espanha). A ideia desta mesa é debater, através destes cinco exemplos, como se realiza um modelo de gestão cultural baseada nos critérios de colaboração, compartilhamento, difusão e acessibilidade ampla – ideias que se contrapõem a um modelo de gestão baseado na propriedade, no controle da difusão, na busca pela lucratividade que se associa ao controle de reprodução da informação.

Definindo a cultura livre como “um tipo de produção cultural que garante a livre disponibilidade, acesso, utilização e reutilização dos materiais e ferramentas produzidos”, a mesa propõe discutir cada prática que deriva desse pressuposto inicial observando os exemplos de cada um dos projetos selecionados. Estas práticas, em linhas gerais, se relacionam a modos de agir que tornam viável a produção cultural não voltada para fins lucrativos, baseada na ampliação e difusão do conhecimento, na formação de redes e na relação comunitária. O foco da discussão, portanto, se dará sobre como esses projetos realizam sua gestão a fim de tornar-se viáveis e cumprirem com os objetivos de fomentar uma produção cultural e tecnológica aberta e acessível.

Um destes projetos que, até o momento, me chamou mais a atenção é o Ediciones de La Terraza uma editora de Córdoba, Argentina. Surgida em 2012, a editora tem como objetivo a construção coletiva de suas publicações e a disponibilidade delas o mais amplamente possível. Propõem uma relação horizontal seja com os autores dos livros, seja com o público, constantemente estimulado a colaborar e participar da produção editorial (tanto através de financiamentos coletivos, como opinando nas escolhas editoriais). Obviamente, utilizam licenças creative commons e estimulam o acesso amplo às publicações.

O que me chamou a atenção nesse caso é uma constante afirmação do objeto-livro pelo grupo. Não se trata apenas de publicar e difundir, é um projeto de produzir livros-objeto, livros que sejam atraentes e desejáveis. Esse apelo para o livro na sua dimensão estética e a junção disso a uma reivindicação de liberdade de circulação são fatores bastante interessantes do projeto desta editora. Segundo Bárbara Couto, uma das fundadoras da editora: "Em Ediciones de la Terraza editamos livros daqueles que te chamam desde a estante. Livros que começas a desfrutar desde o momento em que começaste a folhear. Livros que entretêm desde a leitura até o seu aspecto visual. Destes que queres que todos vejam que tens para que queiram ter também. A leitura começa com a curiosidade e o desejo.”

Aparentemente se produz um paradoxo entre o apelo de ampliação do acesso, virtualizando os livros para disponibilizá-los on line, e essa reivindicação do objeto-livro quase fetichizado. É claro que o livro on line jamais terá esse caráter táctil e visual que o grupo enfatiza em suas publicações. Mas é nesse paradoxo que reside uma importante característica dessa editora: a produção de um objeto de fetiche, que provoca desejo, sem estar associado a uma noção de comercialização. O fato de enfatizarem o caráter estético e objetual dos livros (dão sempre prioridade aos livros ilustrados e enfatizam o cuidado com a encadernação) poderia facilmente relacioná-los a editoras comerciais que produzem objetos que rapidamente se tornam desejados e valorizados em um mercado editorial. Mas a ênfase, por outro lado, no uso das licenças creative commons, na busca pelo apoio em financiamentos coletivos e o desejo de devolver essa colaboração em rede disponibilizando o conteúdo do livro é algo que tira essa editora desse sistema de regulação da informação e do controle via comercialização. Essa experiência e seus resultados, quando melhores observados, podem contribuir para o grande debate gerado entre produção artística e uma relação com o mercado, sem com isso diminuir a importância da constituição estética e objetual da arte.

Porém, os editores admitem que não é tão fácil trabalhar com as licenças creative commons junto aos autores. Segundo Couto, a proposta de abertura da editora as vezes esbarra nos desejos e crenças individuais dos autores, provocando negociações e adaptações. Mas as negociações se dão em um nível de escolher qual licença commons o autor prefere trabalhar, estando sempre a possibilidade de ter que escolher alguma delas.

Aparentemente, Ediciones de La Terraza, em seus quatro anos, tem conseguido manter seu projeto editorial colaborativo em funcionamento. Segundo relato de Couto, os processos de compartilhamento vão gerando novas redes e propostas para a editora, gerando um movimento de retroalimentação. Um movimento de ampliação e difusão que vai atraindo novos agentes interessados em participar, mesmo sem a pretensão de “crescer”, “conquistar metas”, “atrair novos parceiros”. As palavras mais usadas nesse projeto, que se contrapõe a estas últimas - mais comuns no vocabulário comercial - são: parcerias, compartilhamento, colaboração e coletividade. A editora se pretende um projeto de produção estética e artística cujo único fim é ser fruída.

Na próxima quinta (15.09) iremos acompanhar a presença de Ediciones de La Terraza na videoconferência e tentar, durante o debate, descobrir em que condições a editora tem sobrevivido e se reproduzido, de que maneira os livros impressos são comercializados e/ou compartilhados e qual o verdadeiro alcance dessa iniciativa dentro de um processo de produção de redes. Sigam acompanhando o Blog Reflejo para saber mais. #GCultural2016


Para conhecer mais sobre Ediciones de La Terraza, clica aqui: http://edicioneslaterraza.com.ar/

segunda-feira, 12 de setembro de 2016


El Blog Reflejo está participando en la cobertura colaborativa del 1º Congreso de Gestión Cultural. El congreso fue organizado por colectivos de cultura digital y libre, además de centros de cultura on line. Estos son: Aforo Gestión CulturalÁrtica – Centro Cultural Online,Baixa CulturaComandante TomComunicación Abierta Gestión Cultural UY. Desde nuestro blog, iremos transmitir comentários críticos de las ponencias realizadas y difundir links para asistir a las transmisiones on line de las mesas. La programación empeza mañana (13.09) con la mesa sobre cultura libre. Las notícias y comentários serán difundidos en portugués y castellano. Estén atentos. Y Sigan el Reflejo. #GCultural2016






El Blog Reflejo está participando en la cobertura colaborativa del 1º Congreso de Gestión Cultural. El congreso fue organizado por colectivos de cultura digital y libre, además de centros de cultura on line. Estos son: Aforo Gestión CulturalÁrtica – Centro Cultural Online,Baixa CulturaComandante TomComunicación Abierta Gestión Cultural UY. Desde nuestro blog, iremos transmitir comentários críticos de las ponencias realizadas y difundir links para asistir a las transmisiones on line de las mesas. La programación empeza mañana (13.09) con la mesa sobre cultura libre. Las notícias y comentários serán difundidos en portugués y castellano. Estén atentos. Y Sigan el Reflejo. #GCultural2016