quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Pós-modernidade: o pastiche, o plural e a crítica à arte contemporânea


Texto inédito

Quando falamos sobre arte contemporânea, percebemos que quase impossível falar desta sem citar a questão tanto da ideia de pluralismo e diversidade, quanto da noção de pastiche. Essa sensação de uma tentativa de retomada acrítica da história, vista através de movimentos como a transvanguarda e o neo-expressionismo1, por exemplo, será sentida por vários autores que discutem o pós-modernismo artístico e a pós-modernidade. E, creio, será a relação aproximada entre a arte contemporânea e a pós-modernidade – e, junto com ela, as noções de fim da história, de morte da crítica, de fim da hierarquia, entre outras -, que provocará grande parte dos questionamentos contra esta.

Alguns teóricos da pós-modernidade como Fredric Jameson (pelo menos em seus escritos de fins dos anos 1980 e década de 1990) acreditam que a possibilidade crítica no período pós-moderno da arte está prejudicada. Primeiro porque, para ele, a conjuntura pós-moderna (de uma maneira geral) é marcada por uma desdiferenciação de campos, o que fez com que a economia acabasse coincidindo com a cultura e que a cultura se tornasse profundamente econômica. Nesse contexto, a produção de mercadoria e a especulação financeira se tornam culturais e a cultura se torna produtora de mercadoria e abriga, em seu interior, a especulação financeira também.

Sendo assim, a arte no pós-modernismo, além de haver distanciado-se de sua busca filosófica pelo absoluto (recusa do sublime), agora também se deixou abrir novamente para o Belo, ou seja, como fonte de prazer e satisfação. A consequência disso é que, para este autor, um dos aspectos ou práticas mais significativos da pós-modernidade é o pastiche. Tanto o pastiche quanto a paródia implicam a imitação, a mímica de outros estilos, particularmente de maneirismos e conotações estilísticas de outros estilos. Porém, o pastiche não possui referencial. O pastiche é uma paródia vazia. Em suas palavras:
(o pastiche) é a imitação de um estilo peculiar ou único, a fala numa língua morta, mas é uma prática neutra dessa mímica, sem a motivação ulterior da paródia, sem o riso, sem aquele sentimento ainda latente de que existe algo normal comparado ao qual aquilo que se está imitando é cômico. O pastiche é a paródia vazia. O pastiche é a prática da imitação que perdeu o referencial de normalidade, ou seja, de padrão universal que indicava o que era o considerado normal e o que, fora disso, seria excêntrico. Multiplicidades de estilos e idiomas do pós-modernismo retiram essa noção de padrão, tornando a paródia impossível e só permitindo o pastiche. (Jameson, 1990: 28/29)

Sendo assim, a arte pós-moderna, dada ao pastiche que é, torna-se um mero repetir de estilos já criados pelo modernismo. Porém, esse pastiche tem um agravante: não possui a motivação crítica e ruptora do modernismo. Seguindo o raciocínio de Bürguer, Jameson não vê a possibilidade crítica de uma arte dada à imitação, nascida no capitalismo tardio, multinacional ou de consumo. Nesse ambiente, as imagens, os signos, tudo parece dado a uma apreciação estética imediatista e presentista, sem nenhum projeto crítico amplo que o dê suporte e sentido. Olhando para o modernismo, Jameson vê como este atuou na cultura burguesa - na modernidade - de maneiras críticas, subversivas, oposicionistas e se pergunta: “Será possível afirmar algo dessa natureza sobre o pós-modernismo e seu momento social?” (Jameson, 1990:43)

Em uma análise um pouco mais detalhada sobre a situação da arte contemporânea - mas em muitos pontos próximas à de Jameson -, Foster percebe como as ações dos anos 1960, à medida que se tornaram institucionalizadas, abriram o caminho para a tão falada dispersão dessa prática. Isso porque as, anteriormente, ações antiestéticas foram recuperadas pela repetição, e os espaços alternativos acabaram por institucionalizar-se. Isso leva a que formas de arte específicas conduzissem a arte à dispersão em geral. Uma dispersão que, em suas palavras, “se tornou a primeira condição do pluralismo” (1996:35). Aparentemente repetindo a análise de Bürger sobre as vanguardas, Foster chega à conclusão de que sim, as neovanguardas foram institucionalizadas e recuperadas. Mas, à diferença do primeiro, não vê nisso apenas o aspecto negativo da morte da vanguarda ou o fim de sua capacidade crítica. Ao contrário, tenta mapear uma nova realidade institucional e prática da arte para, a partir daí, encontrar as possibilidades de crítica remanescentes.

Mas a realidade que ele encontra, pelo menos falando da década de 1980, não é nada animadora. Para Foster, o alegado pluralismo da arte contemporânea (na década de 1980, ainda chamada também de arte pós-moderna) era índice de um mercado confiante na arte contemporânea como investimento. E, para este autor, a ideologia do pluralismo, a qual alega o fim de todas as ideologias e utopias, se coadunava perfeitamente com a ideologia do livre mercado em emergência no período de ampliação do neoliberalismo.

Ou seja, a noção de quebra da hierarquia dos estilos, festejada por alguns como conquista de liberdade da arte, para Foster acaba por levar a uma situação de equivalência (arte de várias espécies passam a parecer todas mais ou menos igual – igualmente (des)importantes). Desse modo, a ideologia pluralista concebe a arte como natural, o que também pode levar a que esta seja vista como livre de constrangimentos não-naturais (como a história e a política) (1996:43).

E retomando a ideia de morte da vanguarda, declarada por vários críticos para analisar esse período, Foster a critica como sendo uma sentença que não diz nada. Seguindo um caminho de análise baseado na Teoria Crítica, assim como Bürger e Jameson, Foster acredita que é preciso extrair alguma conclusão desse tipo de análise. E para ele, uma dessas conclusões é a de que a arte contemporânea aparece como “menos governada pelo conflito entre a academia e a vanguarda do que por um conluio de formas privilegiadas mediatizadas por formas públicas” (1996:44).

Desse modo, para ele, mais do que morte da vanguarda, o que acontece no período da arte contemporânea é uma apropriação neutralizante da atitude anti-moderna e da vanguarda. Segundo Foster, “as múltiplas posturas do pluralismo sugerem uma paralisia cultural, um status quo assegurado” que podem, inclusive, servir como biombo político e também como biombo econômico. E voltando à Adorno, diz que “agora (a arte) é uma indústria por sua própria conta, que é crucial para nossa economia consumista como um todo. Nesse tipo de Estado, a arte é raramente confrontadora e desse modo tende a ser absorvida como qualquer bem de consumo – como um dos maiores” (1996:45).

Até aqui, a análise de Foster não se diferencia muito da conclusão de Jameson em relação ao pastiche, que seria a característica artística do período pós-moderno. Estaria este autor rendendo-se ao fatalismo de diagnosticar situação sem solução final, à visão de um contexto fechado e reificado, à maneira da aporia da Teoria Crítica em que caíram desde Adorno, até Bürger, Jameson e outros? Porém, mesmo contaminado por um profundo pessimismo que parecia dominar numa época de neoliberalismo triunfante, mercado voraz e de alegada vitória do capitalismo sobre o socialismo que parecia deixar o mundo sem vias de escape, Foster é atento em sua análise às práticas artísticas. Essa atenção o leva a diferenciar dois tipos de pós-modernismos: um alinhado a uma política neo-conservadora (que seria o pós-modernismo do pastiche) e um outro relacionado à teoria pós-estruturalista (o qual teria uma dimensão crítica mais presente).

Apesar de chegar à conclusão de que, epistemologicamente, esses dois pós-modernismos não eram assim tão diferentes entre si, o fato de Foster encontrar diferenças entre os dois é importante por deixar no nível da prática artística a evidência de que se distinguem desde a opção pelo político em um e na opção pela política em outro. Até agora ainda não havíamos mencionado de maneira direta a tese de Chantal Mouffe2  sobre a diferença entre a política e o político.

De maneira similar ao que faz Rancière quando diferencia a política de a polícia, Mouffe define que a política é a dimensão da instituição, das práticas e normas sociais estabilizadas em instituições que organizam a vida social, lhe dão forma e sentido. O político, se refere a uma dimensão do conflito, o agonismo necessário e presente no interior do social (e, consequentemente, dessas instituições que o conformam). A prática artística para esta autora, então, se refere a que, por um lado, podem contribuir para uma configuração social hegemônica, reproduzindo sua forma e regras, sendo, nesse caso, política; como, por outro, podem inserir no centro dessa configuração social o ruído, o agonismo, o conflito, sendo, desse modo, portadoras do político.

Assim, apesar de que, em termos epistemológicos básicos, Foster acredite que esses dois pós-modernismos sejam historicamente o mesmo no fim das contas, há diferenças de práticas artísticas importantes que derivam desta diferença entre uma posição neoconservadora e outra pós-estruturalista. E essa diferença se encontra na presença do político na prática pós-estruturalista.

É importante ressaltar que Foster, influenciado pelos escritos sobre pós-modernidade do período, especialmente Jameson, situa a prática pós-estruturalista no nível da teoria. Jameson havia afirmado que a arte pós-moderna estava dividida entre o retorno ao belo (e ao pastiche), por um lado, e à teorização da arte, por outro, ambos como sintoma da decadência do sublime modernista. Essa dimensão teórica da prática pós-estruturalista é aparente quando esta trata a obra como texto. Fazendo uma análise que se parece muito com a que Bürger irá realizar quando fala da diferença entre obra orgânica e obra inorgânica, Foster relacionará a obra à transparência entre signo e significado que dá a esta a sensação de completude. Em suas palavras, a impressão é de que a obra é:
(...) um todo estético, simbólico, selado por uma origem (isto é, o autor) e um fim (isto é, uma realidade representada ou significado transcendente); e texto para sugerir uma a-estética, um espaço multidimensional no qual uma variedade de escritos, nenhum deles original, se misturam e se chocam. A diferença entre os dois reside por fim nisto: para a obra, o signo é uma unidade estável de significante e significado (com o referente assegurado ou, em abstração, colocado entre parênteses), enquanto o texto reflete sobre a dissolução contemporânea do signo e o jogo liberado dos significantes.” (1996:176)

Sendo a obra pós-modernista considerada como orgânica (usando as palavras de Bürger), ou seja, uma unidade simbólica com origem e final, o retorno pós-modernista neoconservador resulta num pastiche, uma instrumentalização de significados históricos, de estilos e imagens que são tomadas em seu caráter superficial, aparente, sem questionar a dimensão de representação destes, nem seu fundamento social e político. Já o pós-modernismo pós-estruturalista “realiza uma crítica da representação: questiona o conteúdo de verdade da representação visual e explora os regimes de significado e da ordem que esses diferentes códigos sustentam” (1996:176). Em termos estilísticos e políticos, a prática desconstrutiva adotada pelo pós-modernismo estruturalista se diferencia de forma evidente de uma outra prática de instrumentalização de estilos artísticos e/ou de suas disciplinas, assim como a crítica da representação é, nas palavras de Foster, inteiramente diferente de uma reciclagem do Pop – ou de imagens pseudo-históricas (1996:178).

Mas, como dito anteriormente, apesar de Foster abrir esse espaço (que por nós será posteriormente mais explorado) este autor, ao falar em uma condição pós-moderna mais ampla do período, deixa claro que está alinhado a outras leituras do momento sobre o mesmo. Desse modo, resume o que para ele seriam as chaves dessa condição pós-moderna: a erosão do status do sujeito e sua linguagem, da história e da representação. E mediando tudo isto, um mercado ampliado e inflado pelas vitórias do capitalismo frente às suas antigas “ameaças”, o que configura um cenário político de intolerância com o diferente, com as questões políticas suscitadas nas décadas anteriores e uma necessidade de retorno ao conservadorismo social para garantir a ampliação do neoliberalismo econômico.

É um momento complexo em que ao passo que emerge uma tendência neo-conservadora, as rupturas epistemológicas anteriores, especialmente as realizadas pelo pensamento pós-estruturalista (e refletidos na produção artística da neo-vanguarda) já não podem mais ser “desfeitas”. Sendo assim, parece emergir um movimento de apropriação cínica ou de instrumentalização das ideias desconstrutivas, do colapso do sujeito e da narrativa histórica. O pensamento pós-estruturalista, por sua vez, passa a ser criticado por não apresentar efetivas soluções políticas, parecendo encerrar-se em uma espécie de idealismo da diferença e da dispersão (a tese de Lyotard da banda libidinal, a ideia de sujeito esquizofrênico do capitalismo e do rizoma de Deleuze e Guatarri, a diferránce de Derrida). Neste momento, parece que tudo o que parecia possível anteriormente, se dissolve na incerteza e na impossibilidade. Desfeito o sujeito, o que colocar em seu lugar? Como representar uma identidade política? Desfeita a história, como narrar o social e representá-lo? O que restou da crítica pós-estruturalista no meio de um contexto pós-modernista de impureza textual, indefinição do sujeito, dos limites?

Esse contexto que parecia encher o ar de pessimismo no lado dos intelectuais e teóricos de esquerda, levou a algumas interpretações totalizantes sobre a situação da política, da economia e especialmente da cultura dentro desse cenário. A de Jameson, por exemplo, foi criticada por ser muito grandiosa, como, segundo Foster, considerasse o capital um grande ceifeiro que saiu arrancando tudo por onde passou. Além disso, o autor não parece levar em consideração uma diferença cultural e geográfica do capitalismo quando afirma sua tese principal de que a dimensão econômica e a cultural se imbricaram de maneira definitiva no pós-modernismo.

Desse modo, Jameson acaba por reproduzir, em seu pensamento, uma tendência economicista totalizante, que em alguma parte se parece com a tendência da Teoria Crítica (especialmente, do pensamento adorniano), em que esta domina completamente a esfera da cultura. Cria uma espécie de modelo em que diferentes momentos tecnológicos e econômicos do capitalismo são relacionados a paradigmas culturais (a exemplo da análise infra-estrutura versus superestrutura marxista). Essa análise o leva à conclusão de que no período do capitalismo financeiro, disperso e multinacional de fins do século XX, corresponde um paradigma do pastiche cultural, signo das fronteiras dispersas e dos espaços mistos que este engendra. Este paradigma, conforme alerta Crimp, está baseado em uma noção limitada de modernismo também. Sendo o pastiche (mímica sem crítica, uma paródia neutralizada), o paradigma cultural deste período, a ideia que se tem é que, então, não é possível existir outro tipo de ação crítica nesse momento cultural do signo esvaziado (tornado, ele mesmo, mercadoria).

A questão do signo tornado mercadoria e esvaziado, tornado impotente, aparece em outra tese bastante conhecida sobre o pós-modernismo: a da simulação, formulada por Jean Baudrillard. Este autor compartilha uma visão catastrófica e apocalíptica do mundo em um pretenso último estágio do capitalismo no qual não resta mais nada que simulação. O real, assim como a verdade, a história, o sujeito, foi liquidado. Para Baudrillard, o signo, transformado em valor e mercadoria, representa o fim de uma economia política, do referente, do real da política e do social. A televisão, como aparato de simulação que passa a integrar os fluxos de significação e informação com os das mercadorias, acaba por fazer escoar o real para fora da ordem das mercadorias e dos acontecimentos. E tudo é reduzido a imagens que referem-se a outras imagens.

Esta tese está claramente baseada no pensamento nietzschiano (em seu extremo idealista de que as estruturas do conhecimento conformam inteiramente o objeto) e, também, na teoria sobre a mídia McLuhann (segundo indica Andreas Huyssen3), de que esta alcançaria um estágio de alcance e conexão quase total. O resultado disso é a incapacidade de perceber outra possibilidade que não a da completa simulação, de uma sociedade conectada por imagens de imagens no interior da qual a crítica e a resistência se dão apenas pelo silêncio (visto que para este autor até as representações sociais também são simulacros). Dentro desse contexto, também a arte (como praticamente todo o resto) seria simulação, sem espaço nem possibilidade para uma representação crítica, visto que não há mais o que se representar que não o simulacro. Sendo o capital um sistema de significantes flutuantes, descolados de qualquer referente, como se produzir uma crítica a ele? Como se escapar dele?

A aporia em que se mete a teoria de Baudrillard, ao passo que parece seguir um caminho adorniano de impossibilidade, para alguns teóricos, como Huyssen, é mais uma teoria cínica e afirmativa do que crítica. Segundo Huyssen, esta teoria acaba por participar de forma afirmativa “na operação de um sistema que, meramente, simula o real para manter o status quo. Nesse caso, Baudrillard seria o defensor cínico do que está em questão, só porque é isso que está em questão” (1997:75). Ou seja, a sua teoria da simulação seria uma simulação mais a manter o estado das coisas.

Uma outra tese conhecida sobre o pós-modernismo é a do filósofo Jean-Françoise Lyotard. Conhecido por sua relação com o pós-estruturalismo, esse autor parece ser um dos nexos que esse pensamento francês da década de 1960/1970 possui como o que ficou conhecido como pós-modernismo e pós-modernidade. Segundo Hal Foster, uma das principais teses deste autor é a de que o pós-modernismo marcou o fim das grandes narrativas, as quais relacionavam a modernidade à ideia de progresso e a de história como um acontecimento linear e sucessivo. Essas grandes narrativas eram as noções de marcha da razão, o acúmulo de riqueza como valor último, o avanço da tecnologia como necessário e inevitável e, até, a ideia de emancipação dos trabalhadores. Essa tese, que se relaciona com todas as críticas pós-estruturalistas ao logocentrimo, à metafísica presente no pensamento ocidental, à ideia de sujeito, etc, também será, se não a responsável, uma grande influenciadora de alguns discursos apocalípticos de pós-modernidade como sendo uma espécie de “fim de tudo”.

A aparente dispersão a que leva o pós-estruturalismo, especialmente este elaborado pelos franceses nas décadas de 1960, é criticado como uma espécie de segundo idealismo. Segundo Peter Dews4 “a tentativa de Derrida de elaborar uma crítica do sujeito idêntico a si mesmo, que fuja de qualquer aspecto naturalista, resulta numa posição não mais plausível que a metafísica monista de Lyotard” (1996:64).

Essa dimensão idealista resulta, de um lado, em uma afirmação ontológica de uma pluralidade irredutível – pensamento Nietzschiano do conceito como redutor da multiplicidade e indiferença encontradas no natural – e, por outro lado, na eliminação de uma dimensão material (natural). Em Derrida, o sujeito é um ente inscrito num sistema de différance, uma espécie de texto ampliado em que a subjetividade, a objetividade, o objeto, o sujeito, todos estão em um jogo de identidade e não-identidade uns com os outros. Em Lyotard, por outro lado, a possibilidade de formação de uma identidade se torna impossível na ideia de banda libidinal, visto que tudo é um fluxo de sensações, de forças, de energias. A ideia de rizoma em Deleuze e Guatarri também destaca essa potência de multiplicidade em que o conceito, ou a identidade, constituem formas de fechamento violentas.

Supondo que estes diagnósticos de um possível fim de tudo, ou do pós-estruturalismo como sendo este mero idealismo desconstrutivo estejam corretos, obviamente restaria para a arte contemporânea não ser mais que um mero reprise de uma história falida e finada. E assim sendo, não poderia jamais novamente voltar a ser crítica ou a posicionar-se frente a um contexto político ou social, visto que, inclusive estes, parecem também findados ou fechados em uma pós-história na qual talvez nada mais acontece.

E essa ideia de fim das grandes narrativas, fim da utopia e até da ideologia afetaram bastante a produção artística dos anos 1990, a qual se viu atrapada entre a impossibilidade crítica e o cinismo. Algumas estratégias surgidas nesse momento, como a ideia de Estética Relacional, desenvolvida por Nicolas Bourriaud, se abrigavam no contexto localizado e imediato. A estética relacional pensava na arte como experiência de reconexão afetiva, emocional e imediata a qual se, por um lado, trazia à arte uma potência existencial e fenomenológica, por outro a encerrava em um espaço bastante localizado e pouco conflituoso que servia bastante bem ao mercado. Como vimos no tópico anterior sobre as instituições pós-modernas, essa ideia de arte como promotora de experiências sensoriais foi (e talvez ainda seja) um importante motor para a cada vez maior abrangência de uma noção de entretenimento no interior das instituições de arte.

Pensando desse modo, é quase óbvio que as críticas sobre a arte contemporânea que partam deste tipo de tese sobre a pós-modernidade, o pós-modernismo e a cultura nesse contexto sejam a de que esta não possui mais potencial crítico, ao menos não que valha a pena (ou que seja efetivo). Se só resta pastiche, repetição, simulação, por um lado, ou desconstrução, indeterminação e incapacidade de ação, por outro, parece quase evidente o diagnóstico de que está morta a possibilidade crítica, ou severamente prejudicada. O mundo dominado pelo mercado parece transformar tudo ou em neutralidade ou em cinismo.

Mas esse tipo de crítica possui em seu DNA, em sua estruturação teórica, uma ideia de revolução universal e generalizante que solapou a teoria crítica, tal como a formularam Horckheimer e Adorno, fazendo-a recolher-se a aporia de uma crítica sem saída. Apesar de referirem-se a um momento pós-moderno, período de fragmentação e pluralismo, parecem não conseguir sair de um esquema totalizante que persegue grande parte do pensamento social, especialmente o de esquerda. Enquanto a direita se aproveita do fragmento para transformá-lo em pastiche e, assim, potencializá-lo como provento financeiro, a esquerda se perde em diagnóstico fatalistas, totalizantes e, até, de certa maneira moralistas, que as deixam cegas para a análise crítica do fragmento, do disruptivo, do espelho quebrado.

A dimensão do fragmentário, já percebido em Benjamin e ampliado pelo pós-estruturalismo, se por um lado pode aparecer como problemático, por outro ainda é fundamental para entender como a arte pode seguir operando rupturas. Pensar a ação de vanguarda não como um projeto total, mas como um ato performático foi a diferença fundamental entre Bürguer e Foster, que fez este segundo seguir encontrando a crítica onde o outro via apenas assimilação. O fragmentário, aqui, tem a ver com a dimensão de uma prática individual que desconstrói por dentro, que não é mais uma tentativa de ruptura universal e total com a instituição-arte. A crítica ainda é possível na arte contemporânea, desde que haja uma performatividade artística, uma ação crítico-política em sua direção.

1A transvanguarda e o neo-expressionismo foram movimentos artísticos emergidos na década de 1980 que pregavam a volta à pintura contra as práticas desmaterializadas e plurais anteriores. Havia uma defesa ao pictórico contra uma espécie de tentativa de “assassinato” anterior. Esses movimentos articulavam questões históricas da arte de maneira livre e até aleatória e foram bastante importantes no processo de superaquecimento do mercado de arte do período. Muitos críticos consideram esses dois movimentos como pastiches, imitações sem sentido e objetivo de vanguardas artísticas e movimentos modernistas que acabaram servindo mais a um discurso conservador pós-modernista.
2MOUFFE, Chantal (2007). Prácticas Artísticas y Democracia Agonística. Barcelona, Museo Reina Sofia.
3HUYSSEN, Andreas (1997). Memórias do Modernismo. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ

4IN: ZIZEK, Slavoy. Mapa da Ideologia. Rio de Janeiro, Contraponto.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O Museu e a Modernidade

Texto inédito

Pensar em museu, quase sempre, implica pensar passado, tradição, memória. Mas e o que isso tem a ver com modernidade? Aparentemente, nada. Mas se retomarmos o fio da meada de sua instituição, poderemos ver como esta  tem a ver com o processo de modernização da sociedade.

Iniciando esta discussão, encontramos no texto da pesquisadora Lisbeth Rebollo1, uma noção de museu em que estes aparecem ligados à ideia de produção de conhecimento, de salvaguarda de “tesouros” e de exposição. Remontando aos primeiros usos registrados do termo, a autora o encontra no grego mouseîon, traduzido como templo das musas, e registra que este já era usado no século I A.C. para denominar uma espécie de centro interdisciplinar de cultura e patrimônio. Estes eram lugares de contemplação e estudos literários, artísticos e científicos, não estando ainda relacionados à ideia de coleção e de salvaguarda e exibição da mesma. O nome museu será pouco usado após esse período, até reaparecer em meados do século XV, quando o colecionismo torna-se moda na Europa.

Durante esse período, marcado pela revolução do olhar e da sensibilidade, provocados, entre outras coisas, pela expansão marítima, pelo aparecimento e ampliação do espírito humanista e científico da época, o Renascimento testemunha o surgimento de grandes coleções principescas e também pertencentes a autoridades religiosas. Surgidas a partir do século XIV, serão ampliadas nos próximos dois séculos graças aos financiamentos de famílias nobres a artistas cortesãos, mas também aos objetos trazidos da América, da Ásia, África e Oriente Médio.

Além dessas coleções principescas e religiosas, nesse período surgem também os famosos gabinetes de curiosidades e as coleções científicas. Estas eram formadas por estudiosos e tinham um objetivo mais pragmático de colecionismo: de promover conhecimento e estimular o estudo científico sobre a natureza. Reuniam grande quantidade de objetos e seres exóticos vindos de terras distantes. No início caóticos, com o tempo foram se aprimorando para acompanhar os progressos científicos realizados, principalmente, nos séculos XVII e XVIII. Muitos destes gabinetes se tornaram, posteriormente, museus científicos e de história natural.

Porém, nesse período, essas coleções, apesar de grandes e vastas, eram de acesso restrito e privado, restringindo-se aos frequentadores da corte e amigos e conhecidos dos donos destas. As galerias, inventadas nesse período, são os corredores dos palácios e dos templos onde residem as obras. Os gabinetes funcionam como museus, mas ainda não possuem a ideia de abertura ao público. Somente em finais do século XVIII irão surgir configurações museais voltadas à preservação do patrimônio e de sua exibição pública. Sendo assim, o conceito de museu que vai nos interessar aqui se relaciona às configurações que este assume a partir da emergência da sociedade burguesa, das ideias iluministas de conhecimento e progresso, da configuração dos Estados Nação e da relação com o desenvolvimento científico, tecnológico e industrial. Ou seja, para esta tese, interessa entender o museu como projeto intrinsecamente ligado à emergência da modernidade, como destaca Andreas Huyssen2.

Desse modo, é preciso considerar que durante o século XVIII acontece uma mudança fundamental na estrutura social da Europa, especialmente na França, país em que profundas transformações políticas e sociais irão, posteriormente, impactar em todo este continente e na ideologia ocidental. A Revolução Francesa de 1789 destituiu o Antigo Regime, detonando, junto com ele, as estruturas aristocráticas e nobiliárquicas que, entre outras coisas, mantinha os artefatos artísticos e culturais à distância da massa da população, restritos às galerias criadas nos palácios e nas Igrejas. Aliado a uma necessidade de afirmação nacional, de fomento de uma ideia de identidade cultural, de salvaguarda dos monumentos e de desvinculação dos mesmos à monarquia e à igreja (para evitar que fossem destruídos), surgem os museus como o espaço neutro de salvaguarda e exibição de extensas coleções artísticas e científicas, antes escondidas das vistas de todos ou ordenadas de maneira menos sistemática (como nos já citados antigos gabinetes de curiosidades). Segundo ainda Rebollo:
Na França, após a revolução de 1789, inúmeros monumentos são destruídos. Para salvaguardar as riquezas artísticas, evitando-se estes atos de destruição e pilhagem, criam-se estes espaços neutros para fazer esquecer a significação religiosa, feudal ou monárquica das obras de arte. Estes espaços são os museus que assumem o papel fundamental de conservar as obras e os monumentos após a ruptura com o Antigo Regime. Procede-se a um grande inventário das coleções existentes. O Estado se torna proprietário e conservador dessas coleções científicas e artísticas. A República, pouco a pouco, assume um compromisso com a história da nação. Um decreto faz com que todas as obras de arte sejam reunidas no Louvre. No dia 10 de agosto de 1793, aniversário da queda da monarquia, abre-se o Museu des Arts. As obras de arte são vistas não só como monumentos históricos, mas como grandes meios de instrução, cujo talento enriquece as gerações. (GONÇALVES, 2004:14)


É importante observar o destaque dado para o papel do Estado nessas configurações iniciais dos museus. Estas instituições cumpriam um importante papel político nos Estados Nação em formação, sendo um suporte fundamental para o fomento de uma ideia de identidade nacional. Eram produtores de conhecimento, ou seja, quase alfabetizadores das massas sobre a história de suas nações, eram salvaguarda dessa memória e, portanto, criadores e difusores de uma narrativa que ajudava a promover uma ideia de pertencimento e identificação local nas populações. E, como diz Huyssen, a união dessa necessidade de formação de uma integração nacional, por um lado, aliada ao medo do esquecimento e da perda que afirma uma vontade de tradição é diretamente relacionada a um projeto moderno de sociedade.

Esta narrativa criada e difundida pelo museu necessitava ser legitimada para poder funcionar plenamente em seus objetivos instrutivos e formativos. Deste modo, a ideia de neutralidade e universalidade eram pontos-chave nas narrativas museológicas (e históricas e científicas) da época. Segundo o sociológo Jacques Leenhardt, “longe dos templos, das igrejas, dos palácios, longe da natureza ou das culturas exóticas, os objetos (reunidos no museu) flutuam numa ausência de relação com qualquer prática que seja. E, por causa dessa ausência de relação, eles se tornam o resquício do eterno humano, a presença da universalidade do homem tal como a época que inventou o museu tendia a promover” (in GONÇALVES, 2004:16). É dentro desta perspectiva universalista, neutra (distanciada de intenções monárquicas e religosas), desconectada de seus contextos originais para servir a um bem maior que, em 1793, é criado, por exemplo, o Louvre, através de um decreto que determinava que todas as obras confiscadas da corte real deveriam ser reunidas nele e disponibilizadas para o público.

Várias outras instituições foram criadas nesse período, até início do século XIX, consolidando de vez esta concepção moderna de museu. São elas: Museu Britânico (Grã Betanha, 1753), Museu Belvedere (Viena, 1783), Museu Real dos Países Baixos (Amsterdã, 1808), Museu do Prado (Madri, 1819), Altes Museum (Berlim, 1810), Museu Hermitage (São Petersburgo, 1852). Importante ressaltar que esses museus foram concebidos dentro de um espírito nacionalista, tendo, portanto, como característica principal, uma latente ambição pedagógica – formar o cidadão através do conhecimento do passado. Dessa forma, estas instituições participaram de maneira decisiva no processo de constituição das identidades nacionais em formação no período. Conferiam uma ideia de passado e um sentido de antiguidade fundamentais para o processo de constituição dos Estados Nação.

Lembrando que, neste momento, vários países do continente americano e africano, entre outros, ainda viviam um período colonial, é importante considerar que estes museus funcionaram, também, como uma espécie de vitrine das conquistas dos seus criadores. Artefatos indígenas, tesouros descobertos nas pirâmides egípcias, Maias e Astecas, objetos produzidos por populações africanas, aborígenes, entre outras, tudo que era próprio dos conquistados, antes guardados nas cortes e palácios, passaram também a ser exibidos para a população, geralmente nos museus de história natural.
Esse discurso que criava a separação de um eu e um eles, geralmente o outro lado sendo interpretado como próximo à natureza, não civilizado, selvagem, marcou também a legitimação da conquista destes povos e da ideia de evolução própria daquela época, na qual a Europa seria o estágio mais avançado. Em outras palavras, o museu também foi o lugar onde a epistemologia europeia universalista tomou corpo em forma de verdade absoluta, visto que este lugar era tido praticamente como templo dotado da capacidade de suspender os artefatos de seus contextos originais, recolocando-os em um ambiente cujo foco era a transmissão do saber e do conhecimento. Como consequência disso, tudo o que se exibia e se tornava visível aí, se convertia automaticamente em uma verdade, em um discurso legítimo.

Mas, como lembra Huyssen, os museus também são espaços dialéticos em que esses elementos entram em contradição e em conflito todo o tempo. Este autor reconhece, por um lado, o caráter de salvaguarda e colecionista dos museus, o que o torna prenhe de um caráter mortuário (como também afirma Adorno em sua análise sobre os museus). Ou seja, o museu como o mausoléu dos objetos, lugar de satisfação de uma pulsão de morte que acaba por assassinar o que entra em seu ambiente (satisfação da vontade de tradição, recuperação de uma memória que justifique o presente). Porém entende, por outro lado, esta instituição como também passível de abrigar a reconstrução desse passado no presente, através da ação do público e dos agentes que contribuem para a formação da narrativa apresentada no museu – cujo canal de transmissão, por excelência, são as exposições.

Neste ponto, o das exposições, acreditamos importante reter-nos um pouco mais. Isso porque, na opinião de vários pesquisadores e também da nossa, os discursos dos museus, para serem apreendidos e difundidos, dependem da exibição. São vários os estudos sobre as exposições que enfatizam o seu caráter de promotor de visibilidade e legitimação de objetos artísticos, científicos, arqueológicos e também técnicos, numa dimensão mais ampla. Rebollo, citando outra vez Jacques Leenhardt, destaca que este autor pensa a exposição como sendo, também, um espaço social de saber, “remetendo-se ao registro de que, no século XIX, a palavra exposição significa metonimicamente o lugar onde as pessoas podem ver, conhecer várias coisas que antes eram desconhecidas, em particular no campo do desenvolvimento científico e técnico.” (2004:30).

E, voltando a Huyssen, é nas exposições, nesse espaço de saber compartilhado que proporciona, que, na opinião do autor, acontece a possibilidade de uma sobra de significado que excede o conjunto das fronteiras ideológicas, abrindo um espaço para a reflexão. Essa possibilidade de fronteira é importante ser considerada porque é aí onde muitas das ações críticas às instituições podem se realizar ou, por outro lado, transformar as próprias em espaços de reflexão crítica e propositiva. Por outro lado, é importante pensar também que, ao longo do tempo, a atividade expositiva passa a se relacionar não só com a dimensão do saber e da visibilidade de discursos institucionais, mas também, ainda no século XIX, com a dimensão do mercado.

E a relação a exposição com o mercado, especialmente na época dos salões no século XVIII, impactará em transformações importantes, a partir da emergência da ideologia da autonomia da arte. E na análise de Sônia Salcedo (2008), tem-se um interessante quadro deste relacionamento entre exibição, legitimação e necessidade de busca de espaços autônomos para a arte - também ela autônoma. Para a autora, “se toda obra é uma afirmação que só se revela quando abandona o isolamento do ateliê e se apresenta diante de outro sujeito, depreendemos que a autonomia do circuito artístico vincula-se à transmissão e à recepção de seus objetos, pois é exibindo-os que as ideias e convicções artísticas adquirem concretude” (2008:25). Desse modo, a autora põe em evidência uma problemática interessante: a de que a arte autônoma, mesmo rechaçando o mercado, necessitava criar os seus mecanismos institucionais para que a sua crítica pudesse existir e se efetivar. Para que houvesse a arte desinteressada acompanhada da fruição assim também definida, era preciso que houvesse lugares que tornassem possível essa relação. Ou seja, voltando a Bourdieu: a arte autônoma necessitava criar o seu campo próprio de ação.

Este rechaço ao mercado da arte será uma questão mobilizadora e permanecerá presente tanto em vários movimentos de vanguarda, como em reflexões filosóficas sobre o lugar da estética no mundo (e a sua função emancipadora do homem). Neste momento, os artistas perceberam que a arte estava sendo posta em função de interesses privados burgueses, tornando-se refém de um mercantilismo que a destituía de sua potência estética. Segundo Salcedo:
De acordo com a pesquisa feita por Hegewisch, os salões, desde suas origens, foram motivos de discórdias tanto para os artistas quanto para o público. Na verdade, a organização dessas exposições sempre enfatizou interesses distitntos daqueles relacionados à própria natureza da arte. E isso ocorria, primeiro, sob a forma de didatismo público, cujo caráter populista propagava a simpatia e as benesses do Estado no século XVIII. Depois, soba a imagem soberba do mecenato burguês, cujo caráter de ostentação propagava as benesses do que era industrialmente progressista no século XIX. (2008:26)


Ou seja, com o surgimento dos salões, em meados do século XVIII, organizados de maneira independente do gosto monárquico, promovia-se, por um lado, a autonomia do sujeito artista e, por outro, a formação de um público e de uma crítica que tornaram-se um novo corpo regulador do gosto. Todo esse movimento, por sua vez, passou a atrair outros interesses elitistas. Desse modo, diz Salcedo, durante cerca de um século esses salões alçaram o patamar de espetáculo e de grandes eventos, o que dava visibilidade à produção artística crescente, mas também era um importante atrativo de lucros e investimentos que, logicamente, passaram a cobrar um retorno. E este era, geralmente, em forma de atração de grandes compradores, o que acabava por tornar os artistas peças de uma engrenagem econômica.

Esse processo vai gerar insatisfações do lado dos artistas e também do público, nem todo ele afeito ao jogo realizado nos salões. É aí que o que Bourdieu chama de teoria da arte pura começa a ganhar corpo e a se materializar em disputas que contribuirão para a formação do campo da arte moderna. Analisando o campo da literatura, Bourdieu foca nas disputas ocorridas entre os defensores da arte engajada, com discurso político forte e relacionado às classes proletárias (a quem se deveria emancipar através da arte, mas de forma didática); os promotores da arte burguesa e pequeno-burguesa, com caráter evidentemente mercadológico e espetacular em que o entretenimento e a comercialização eram o objetivo principal; e, finalmente, os defensores da ideia de arte pela arte que rechaçavam a submissão da criação artística tanto a uma função didática (e populista), quanto a uma condição de produto mercadológico ou de entretenimento.

Se na literatura, os artistas começam a produzir obras em que o texto e sua composição começam a ser levados em conta, mais que os temas a serem abordados, levando a uma exploração da linguagem literária, o mesmo processo ocorre nas artes visuais. A emergência de uma crítica de arte que reúne a reflexão sobre o caráter próprio do artístico, tanto em relação à produção literária quanto à reflexão da produção pictórica, começa a forjar um campo de agentes para essas novas práticas. O poeta e escritor Charles Baudelaire é um dos mais conhecidos precursores de um pensamento crítico que ia além do comentário ou do julgamento de gosto que eram mais comuns naquele momento.

Pensar a crítica como uma produção que deve refletir a obra de arte, não focado em julgamentos de gosto superficiais, mas em análises estéticas próprias àquela arte, são um dos indícios fortes da emergência de um campo da arte autônoma. Por isso e pelas características apontadas sobre sua produção poética, permeada pelo conflito em relação à modernidade, indo além do romantismo e voltando-se para análise do aqui e agora, Baudelaire é considerado um dos “pais” do modernismo artístico.

Esse pequeno desvio no argumento, ao dar enfoque a Baudelaire, faz sentido para pensar que foi através de uma série de agentes e lutas que foi emergindo o campo da arte autônoma na França, que posteriormente se nomeará e classificará como arte moderna. Os movimentos artísticos contestadores do status quo artístico do momento, a exemplo do impressionismo (considerado um dos primeiros a romper com as convenções tanto pictóricas, quanto expositivas e de fruição), começam a criar para si espaços e redes onde circulavam. Segundo ainda Sônia Salcedo:
Como decorrência desses fatos, tanto o artista quanto o público tornavam-se peças indefesas e manipuláveis para o jogo de interesses do mercado que, ali criado, tinha por objetivo usá-los para atrair grandes compradores. Em resposta a isso, os artistas mobilizaram-se em busca de um público verdadeiramente interessado na arte. Assim, eles próprios promoveram suas exposições individuais e independentes, não só anexas àqueles salões - a exemplo de Courbet e Manet que construíram seus próprios pavilhões -, como também em diversos espaços privados, escapando, desse modo, tanto da degradação artística promovida pelo caráter especulativo daqueles salões quanto da desvalorização de suas obras em razão do excessivo número de trabalhos expostos naquelas apresentações”. (2008:27)


Esses novos espaços criados pelos artistas, os quais geralmente eram os seus próprios atelieres, irão influenciar sobremaneira nas futuras configurações das instituições artísticas. A noção de autonomia, de protagonismo da obra e de sua materialidade, de sua desvinculação da relação financeira (e também social e política), todas essas reivindicações serão reverberadas nas instituições de arte moderna e em suas configurações.


1REBOLLO, Lisbeth (2004). Entre cenografias

2HUYSSEN, Andreas (1997). Memórias do Modernismo. Rio de Janeiro, Editora UFRJ.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

As poéticas e a convergência


Relato da apresentação do projeto de curadoria de Nelly Richards para o pavilhão chileno da 56ª Bienal de Veneza, realizado no Museo de Bellas Artes no dia 13 de agosto de 2015


Hoje, no Museo de Bellas Artes de Santiago, a curadora Nelly Richards apresentou ao público o projeto curatorial Poéticas de la Disidencia. O projeto foi aprovado para representar o Chile na 56ª Bienal de Veneza, através de um concurso público realizado pela primeira vez pelo Conselho Nacional de Cultura e Artes do Chile (CNCA). A proposta vencedora de Nelly Richards se baseou na obra das artistas Paz Erázurriz e Lotty Rosenfeld, ambas chilenas.

Em comum entre as artistas e a curadora está um fator geracional. Tanto Lotty Rosenfeld quanto Paz Erázurriz iniciaram suas carreiras durante um dos períodos mais terríveis da história chilena, o golpe de estado militar que levou à ditadura de Pinochet e à abertura do país ao neoliberalismo mais selvagem da América Latina (só não perde para a atual situação brasileira de radicalização da direita). E Richards, nascida na França, veio viver no país nos anos 1970, justamente o período da instituição desse processo político. Esse dado biográfico, longe de ser apenas um detalhe curioso, me pareceu importante na construção do discurso curatorial e da escolha das obras. Existe uma espécie de reconhecimento e cumplicidade entre essas mulheres, no sentido de indicar um olhar crítico e político ao entorno comum. Nesse caso, ao contexto chileno.

E durante sua apresentação, Richards destacou por vários momentos que o ponto central do seu projeto de curadoria tinha a ver com a questão da história e memória locais. A relação do contexto com o global pareceu ser bastante importante para sua construção discursiva. E ela encontra nas obras de Erázurriz e de Rosenfeld essa ligação com o local, uma noção de vizinhança e pertença que, ao mesmo tempo, extrapola os limites do lugar. É uma reinvindicação de identidade, uma tentativa de assumir o sul como lugar simbólico, não para deixá-lo intocado, mas para questionar uma hegemonia mundial que o deixa esquecido.

Para ela, se faz importante esse questionamento do local e do contexto no seio de um evento como a Bienal de Veneza, super internacionalizado e espetacularizado. Ao falar do fenômeno da bienalização da arte contemporânea, parece ecoar Simon Sheik, sem citá-lo diretamente. Para Sheik, por conta da sua ampla proliferação pelo mundo, especialmente nos últimos 20 anos, as bienais se tornaram um ramo da economia em crescimento. Contudo, para este autor, elas raramente são discutidas como um ramo da economia, mas principalmente como um modelo de exposições e como produtoras de discursos.

Esse papel econômico das bienais, diz a pesquisadora francesa Raymonde Moulin, tem a ver com a capacidade de legitimação, validação, exibição e troca de informações que esses eventos proporcionam. Nesse sentido, para Moulin, os grandes eventos internacionais, como a Bienal de Veneza ou a Documenta de Kassel, além de constituírem esse momento de encontros periódicos para o mundo cosmopolita da arte internacional, são também lugares privilegiados para a troca de informação. Além disso, estes eventos exercem também a função de qualificação dos criadores, tal como sucedia no Salão de Paris do século XIX. Enquanto atuam como academias informais, participam na elaboração de uma hierarquia dos valores estéticos e se constituem em uma etapa obrigatória de uma carreira artística, tanto do ponto de vista da reputação do artista como do preço das obras.

Tendo claro que a Bienal de Veneza é uma das mais prestigiadas do mundo (e também a mais antiga, em funcionamento desde 1896), seria ingênuo da parte de Richards não reconhecer o poder globalizante deste evento. A reivindicação de uma conexão com o contextual e o histórico, especialmente da história política recente do país, através de Rosenfeld, ou do “refugo” humano do neolibralismo, através de Erázurriz, dá a impressão de uma tentativa de enfrentamento a essa condição mundializante que pode ser neutralizante. Em sua apresentação, Richards afirmou que se fez a pergunta “como fazer para que no cenário globalizante o contexto das obras não fossem subsumidos ou neutralizados?”. Se o capitalismo consegue tornar tudo intercambiável, negociável, falar desde um lugar se torna importante, um ato de resistência. E ao falar em borramento das fronteiras causada pela bienalização, Richards parece temer a diluição.

Ao indicar a preferência pelos trabalhos de Erárzurriz e Rosenfeld para a construção do seu projeto, além da questão da história e da memória, que encontra presente em ambos os trabalhos (resolvidos de maneiras distintas), também relaciona uma noção de corpo maltratado pelo capitalismo. Em Erázurriz, esses corpos aparecem de forma evidente, chapados em fotografias preto e branca, mostrando de maneira mais ou menos crua seus estigmas marcados em gestos, formas, rostos e olhares. São pessoas comuns, mas ao mesmo tempo extraordinárias. São os sujeitos que vivem em condições de extrema pobreza, ou de marginalização constante que os torna construções corporais e identitárias que causa estranheza para a “maioria normalizada”: são loucos e suas miradas delirantes, são travestis e suas maquiagens e trajes exuberantes, são trabalhadores rurais empobrecidos e sua face jovem estranhamente envelhecida. E toda essa estranheza é perturbadora por apresentar, ao mesmo tempo, uma sensação de familiaridade. Para Richards, esse ruído entre as noções de normalidade e anormalidade que a obra de Erázurriz provoca é um importante vetor político: o da desconstrução de noções hegemônicas sobre os corpos e as identidades, além da evidência das consequência da violência da desigualdade social.

Já em Rosenfeld, Richards se identifica com a economia política do signo que seus vídeos põem em evidência. Assemelhando-se um pouco da estética visual de Juan Downey (precursor da video-arte no Chile) o trabalho de Rosenfeld apresenta uma obsessão pela imagem midiática e sua desconstrução. Os vídeos reúnem performances realizadas no final dos anos 1970 pela artista e outros trabalhos que se desenvolvem a partir das imagens televisivas. A remodulação das imagens midiáticas é um dos métodos principais dos vídeos que, segundo Richards, intentam provocar uma espécie de “choque” dadaísta. A sequência nervosa, irritante até, de imagens entrecortadas e ruídos, de fato produzem um incômodo grande no espectador, que se vê obrigado a observar, a ver, o que a artista apresenta. É uma tentativa de tirar o espectador da “dormência” midiática, diz Richards sobre o trabalho. Eu, apesar desse discurso mais óbvio do afã político da desalienação do espectador, também vi um esquema de montagem de imagens e sons bastante elaborado e impactante. O nervoso causado pela sequência sim, de fato, é bastante deslocador.

E apesar de possuírem poéticas bastante distintas (o vídeo que se relaciona mais com o questionamento do capitalismo de maneira mais evidente, através da mídia e da publicidade, de um lado, e do outro, fotografias quase intimistas de pessoas em ambientes distanciados no tempo e no espaço), Richards encontra nas duas artistas convergências críticas. Para a curadora, ambas questionam esquemas de poder, apresentam corpos fragmentados pelo capitalismo, apresentam uma crítica ao masculino, relacionando-o ao poder e ao dinheiro, falam de enfrentamento e resistência. Erázurriz fala de enfrentamento e resistência ao convocar o feminino (muitas vezes através das imagens de travestis e das mulheres que fotografa), de buscar uma comunidade com esses corpos invisibilizados. Já Rosenfeld, traz a resistência no enfrentamento revolucionário que apresenta em seus vídeos. A não aceitação das regras do jogo. A subversão dos signos do capitalismo, como o sinal de +, o qual a artista ressignifica para que deixe de ter apenas uma ideia de somar para simbolizar a repressão e a violência através do lucro.

Poéticas da dissidência, então, passa a ter um sentido quase literal: a escolha da curadora por duas poéticas distintas em que a questão do dissenso, como diria Rancière, são fortes e presentes. São duas artistas que, surgidas no momento mais duro da história do Chile, o da sua ditadura, têm a trajetória marcada, de distintas maneiras, pela consciência crítica do momento político. Coincidem na consciência de um ser latino-americano, um ser outro que, por isso, se torna desejo de reconhecimento e voz. Mas as coincidências param só aí?

O não dito pela curadora a respeito da coincidência, que levou a escolha dessas duas artistas, aparece dito em outros lugares, como no release da mostra, por exemplo. Em algum momento do documento, aparece a informação de que “a principal exibição da 56ª Bienal de Veneza, Todos os Futuros do Mundo, curada por Okwui Enwezor, também estará, em parte, inspirada na história do Chile. Depois do violento golpe de Estado em que o general Augusto Pinochet derrotou o governo de Salvador Allende, em 1973, parte da Bienal de Veneza de 1974 esteve dedicada ao Chile, num gesto de solidariedade com o país e contra o fascismo. Em vista da atual agitação ao redor do mundo, Enwezor faz referência à Bienal de 1974 como uma inspiração curatorial de sua exibição”. Parece que entre Enwezor e Richards houve uma coincidência de inspiração.

Coincidência ou não, aos que se interessam minimamente em observar as dinâmicas do mercado de arte, verá que é melhor usar outro termo para isso: alinhamento de discursos ou agenda. Enquanto Enwezor fala, este ano, em Todos os Futuros do Mundo e toca na temática dos conflitos mundiais, no ano passado, Charles Esche (e outros cinco curadores) foram falar sobre coisas que não existem (sujeitos e lutas sociais invisibilizadas, conflitos, desigualdades e tentativas de saída desse cenário seja via imaginação ou reintegração da comunidade) na 31ª Bienal de São Paulo. Não que a Bienal de São Paulo tenha o poder de pautar a de Veneza (muito mais antiga e importante), mas que sim é possivel a existência de uma convergência entre interesses curatoriais e discursivos no interior de um mundo da arte contemporânea internacionalizado, onde esses agentes acabam participando de uma esfera cosmopolita, fazendo surgir uma espécie de economia do discurso artístico: falar sobre o o outro e o invisibilizado, o conflito, o caos social e ambiental, e as possíveis saídas para tudo isso, está na agenda do mundo da arte. E esta edição da Bienal de Veneza parece mostrar isso.

Chama a atenção, inclusive o fato de que, nesta edição, a Bienal tenha escolhido a Enwezor. Parece que ter um curador nigeriano é  importante para ajudar a reforçar uma imagem de que a Bienal de Veneza está plural, aberta, democrática e abraçando outros espaços e países do mundo. Nas notícias sobre esta edição do evento, quase sempre, ao se falar do curador, há uma referência ao seu país de origem. Inclusive, em uma delas, me chamou a atenção o fato de que na coletiva de imprensa feita com o presidente da Bienal, Paolo Baratta, e o curador, alguém perguntou o que ele “sentia” ao ser o primeiro curador africano da Bienal. Na matéria, a resposta dada por Enwezor foi a de que ele “disse que o importante é sua trajetória marcada por um profundo interesse nas artes africana, europeia, asiática, sul e norte-americana, dos séculos XX e XXI, e, fundamentalmente, sua visão de um mundo sem fronteiras.” Alguém pergunta a um curador inglês, espanhol, francês o que ele sente em ser um curador francês em uma bienal? 

Esse fato fala muito ainda sobre um mundo da arte ainda extremamente hegemônico e ocidental, o qual, ao tentar absorver o dissidente, parece sempre tentar capitalizá-lo: Enwezor aqui aparece como o símbolo do discurso da quebra de fronteira, do cosmopolitismo democrático e miscigenado o qual, na prática, ainda segue sendo exatamente o contrário. Existe uma pequena parcela, que participa da elite legitimada do mundo da arte, que é cosmopolita e que pauta o mercado, as instituições e os eventos do mundo da arte. Para uma grande maioria, ainda está muito distante participar desse universo. Além disso, poucos países dominam o cenário econômico e discursivo do mundo da arte. Por exemplo, a recente ganhadora do Leão de Ouro de melhor artista da Bienal de Veneza foi uma estadunidense, Adrian Piper. O mundo da arte e o seu mercado, seguem sendo majoritariamente dominados pelos Estados Unidos e alguns países europeus, como Inglaterra, Alemanha e França. O resto do mundo participa em menor medida, pois aparece como fornecedores interessantes de novidades para o mercado (daí o importante movimento de proliferação das bienais por todos os lados a partir dos anos 2000).

Nesse sentido, Nelly Richards tem razão ao tentar descobrir o lugar do contexto, o lugar da fala e do outro, num cenário que tenta neutralizar as diferenças para encobrir a desigualdade. Mas confrontando o seu discurso com o contexto mais amplo, tem-se que ele mesmo é uma replicação, está operando na convergência. A própria bienal está falando sobre a crítica e o confronto. Está, inclusive, lembrando do Chile e do seu terrível momento político. Aí nos perguntamos: onde é que fica a dissidência aí? Para mim, permaneceu com as poéticas e seguirá com elas, independente de Nelly Richards e da representação no pavilhão da Bienal de Veneza.

Para mais informações sobre a curadora e as artistas, segue link da página da Bienal de Veneza: 
http://universes-in-universe.org/esp/bien/bienal_venecia/2015/tour/chile/nelly_richard


quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Década de 1980: a volta da pintura, a ampliação do mercado e a situação da crítica


Texto inédito

Desde finais da década de 1970 e início dos anos 1980, alguns fenômenos marcaram a experiência mundial. Cessada, ou pelo menos aplacada (ao menos em aparência), as revoltas sociais dos anos 1960 (especialmente os eventos de 1968), triunfava absoluto o neoliberalismo. Personagens como a primeira-ministra britânica, Margareth Tatcher, e o presidente estadunidense Ronald Reagan representam, em seus discursos e ações, a agenda do neoliberalismo diante do mundo: recrudescimento conservador nas pautas políticas e sociais conectado com uma ideia de flexibilização na dimensão econômica que, em outras palavras, representava diminuição de direitos sociais, precarização do trabalho, privatizações, diminuição do papel do Estado como provedor de políticas públicas de bem-estar e justiça social (aumentando, ao contrário, o seu papel policialesco) e aumento do lucro para empresários e banqueiros.

A arte produzida neste período também  foi influenciada por estes acontecimentos mais amplos. E um dos eventos mais importantes ocorridos nesse momento é a chamada “volta da pintura” e a emergência de um mercado de arte super aquecido. E a alusão a esse momento da arte em que emergem as ideias sobre seu período pós-moderno é fundamental pois a década de 1980 é, aparentemente ao menos, um dos marcos do que hoje é conhecido como arte contemporânea. E nas análises desse período, pululam as críticas em relação aos seus procedimentos, movimentos e relação com o mercado, ao passo que parecem menos visíveis as ações críticas realizadas pelos artistas, 

Segundo Belting, algumas exposições realizadas no período dos anos 1980 “permitem reconhecer que o temor de perder as imagens dos homens ou ainda a pintura como medium desencadeou novamente o apelo a uma mudança de curso ou a uma nova reflexão” (2006:267).  Mostras da época - que celebraram uma pretensa volta ao pictórico e escultórico -, apresentavam um clima de vitória da arte sobre a anterior "tentativa de assassinato" desta, realizada pelos movimentos conceitualistas. E esse pretenso triunfo da arte sobre sua "tentativa de homicídio" interessou bastante ao mercado e à mídia desse período.

Um exemplo interessante do clima artístico deste período, em que as leis de um mercado em intensa efervescência se impunham de maneira agressiva, é o fato de eventos como a Documenta de Kassel - que na década anterior havia abrigado obras realizadas em vários meios, ecoando a produção do período -, declarar uma intenção conservadora em sua versão de 1982, a Documenta 7. Segundo Douglas Crimp (2005), em carta divulgada para os artistas convidados a participar do evento, Rudi Fuchs, curador da mostra, “por um lado, declarava que iria restituir à arte sua preciosa autonomia, enquanto, por outro deixava claro o desejo de manipular as obras de arte individuais de acordo com sua auto-imagem inflada de artista mestre da exposição. (…) Fosse ou não fosse a intenção dos artistas participantes, Fuchs faria um esforço para assegurar que as obras não refletissem de modo algum o seu ambiente: o mundo ao redor, os costumes e a arquitetura, a política e a culinária” (CRIMP, 2005:210).

Segundo Crimp, Fuchs, em seu texto, além de afirmar-se na posição de criador de uma segunda obra com sua exposição (questão que emerge a partir da mudança do status do marchand para o curador, que passa a ser um criador de exposições-arte), revela um rechaço às obras experimentais e realizadas em outros meios (a exemplo do vídeo e performance), além daquelas que criticavam as formas institucionalizadas de recepção e produção da arte (Crítica Institucional). Deixa claro, desse modo, uma preferência por pinturas e esculturas, a maioria de estilo neo-expressionista que, no período, dominava o mercado de arte em Nova Iorque e outras regiões do mundo ocidental, diz Crimp.

E essa tendência de retorno se materializou de maneira mais evidente em dois movimentos ícones do período: a transvanguarda italiana, assim nomeada pelo crítico de arte Bonito Oliva, e o neo-expressionismo alemão. Hal Foster resume esses dois movimentos como sendo o primeiro uma espécie de fetichismo dos estilos e modos passados que nega a historicidade da arte e sua imbricação na sociedade; e o segundo como uma tentativa de reviver um estilo moderno (o expressionismo) e um tipo moderno (o artista como primitivo) de uma maneira nada irônica, mas bastante anacrônica.

Segundo a pesquisadora argentina, Viviana Usubiaga, Bonito Oliva desenvolveu não apenas uma denominação, mas uma verdadeira teoria da transvanguarda, em que ideias como o fim da narrativa linear, da noção de progresso, entre outras, apareciam. Para esta autora, Oliva afirmava que até a década de 1970, a arte de vanguarda havia operado uma espécie de darwinismo linguístico, do qual a arte da transvarguarda se pretendia liberada. Desse modo, “sublinhava uma nova subjetividade do artista, tanto no prazer de suas pulsões e imaginários privados como no reencontro com a matéria da pintura (…). Junto ao hedonismo, o nomadismo era a atitude básica do artista transvanguardista, entendida como a possibilidade de transitar livremente fora de todos os territórios, sem nenhum impedimento” (USUBIAGA, 2012:34). Desse modo, termos como transitoriedade, apropriação, ecletismo, niilismo ativo e hedonismo definem as obras transvanguardistas, fenômeno que se estende até a América Latina durante a década de 1980.

Já o neo-expressionismo alemão realiza uma tentativa “sincera”, nas palavras de Foster, de retomar o expressionismo o que, para o autor, se revela um ato paradoxal visto que as condições sociais que tornavam uma arte crítica na Alemanha da primeira guerra já não são as mesmas. É como se os artistas tratassem o expressionismo não mais como um movimento histórico específico, mas como uma espécie de categoria essencial e natural, estabelecendo uma relação mística com a cultura alemã. Esse deslocamento temporal que não considera mudanças históricas fundamentais acaba por alienar das atuais formas de alienação engendradas pelo capital, diz Foster. E o que era “protesto protopolítico no expressionismo diante da sujeição converteu-se, no neo-expressionismo, numa exposição ideológica da subjetividade” (1996:73).

Ao ver esses dois movimentos como tentativas de recuperação de processos artísticos anteriores à década de 1960 que acabam por revelar-se acríticos, Foster parece aceitar a tese do fracasso da vanguarda que antes rejeitava em Bürger. Sendo assim, realiza uma analogia entre as vanguardas que, na década de 1920, provocaram becos sem saída artísticos, mas que retornaram como tentativas de reelaboração nos anos 1960. Essas tentativas, ao que parece, provocaram novos becos sem saída, a exemplo do minimalismo e conceitualismo, citados por Foster. Mas, para este autor, a reelaboração destes novos buracos no simbólico resultaram mais alienantes do que críticos. Nas palavras de Foster, “a nova arte internacional de figuração expressionística e a postura boêmia nos são vendida como um bálsamo após anos de abstração árida e de envolvimentos pós-estúdio.” Isso leva a que ele se pergunte “e se essa arte assinalasse uma alienação face à história e não um retorno a ela – uma aceitação da divisão cultural do trabalho (o papel do artista como um romântico, um homem de espetáculo, fornecedor de bens de prestígio) e uma legitimação da sujeição social e das tendências autoritárias do presente?” (1996:65)

Esta questão é respondida posteriormente por Foster como: sim, essa pretensa nova-antiga arte, uma espécie de regressão às formas anteriores da pintura e da escultura, é aistórico e alienante. Essa aparente nostalgia pela história, a qual, como diz Belting, parece uma tentativa de encontrar na pintura e escultura (Belting destaca as neo-expressionistas) um símbolo do pensamento contemporâneo, um espírito da época. Segundo este autor, trata-se de uma grande tentação de seguir essas palavras de ordem e construir novamente, a partir delas, a história da arte segundo seu decurso ordenado. Porém, essa alusão à história parece ser realizada apenas para descartá-la, afirma Foster. Uma tentativa de exibir uma liberdade diante da história que, em lugar de contestá-la e criticá-la, realiza um movimento ao mesmo tempo histérico e amnésico.

Porém, estas regressões à pintura, escultura, ao maneirismo acadêmico e até alusões a obra renascentista, não compõem todo o cenário complexo da década de 1980. Embora aparecessem determinando grande parte do movimento do mercado, dos seus agentes, instituições e eventos como Documentas, Bienais, não foram totalizantes. Havia ainda cenários em que tanto a Pop Art como a Arte Conceitual também coexistiam com essas novas formas, marcando um retorno ao visual desta última (além de uma, aparentemente nova, aliança com o mercado). A estas práticas conceituais, realizadas por volta de fins da década de 1980 e os anos 1990, Peter Osborne vai chamar como neo-conceituais. Como exemplo, cita a obra do artista Jeff Koons e suas esculturas de objetos comuns em que o kitsch aparece como característica mais evidente.

Mas esta não foi toda a produção de Arte Conceitual da época. A apropriação e a manipulação de imagens midiáticas ainda foi utilizada como estratégias com intenção crítica. O retorno ao visual desse período (segundo diagnóstico de Osborne) foi acompanhado por uma ênfase crescente na instalação como método de produção, o que resultou na instituição desta como gênero artístico no período dos anos 1980. Isso porque, segundo Osborne, “o marco conceitual contribuiu à definição da instalação, não mais no sentido da disposição de uma obra já existente, mas no sentido de uma produção in situ da obra, em relação direta a seu contexto específico” (2002:80).

Ou seja, vários artistas seguiram produzindo a partir do caminho aberto pela Arte Conceitual, criando ações e obras que desafiavam não tanto o status quo da arte, mas que reivindicavam agora a ampliação de um exame social, institucional e estético. Segundo Hal Foster, nesse momento de produção artística, em que as críticas e os desmoronamentos dos limites parece já haverem sido todos realizados, a preocupação primordial não é mais com as propriedades da arte tradicional ou modernista – com o refinamento do estilo ou a inovação da forma, nem com o sublime estético ou a reflexão ontológica sobre a arte. E, em suas palavras, “embora esteja alinhada com a crítica da instituição da arte baseada nas estratégias de apresentação do readymade duchampiano, não se envolve, como seus antecessores minimalistas se envolviam, com uma investigação epistemológica do objeto ou com uma interrogação fenomenológica até uma resposta subjetiva” (1996:140).

Desse modo, para Hal Foster, esse tipo de ação artística representa o que ele chama de “a mais provocativa arte norte-americana do momento presente” (período da década de 1980) e a situa em uma encruzilhada – das instituições de arte e da economia política, das representações de identidade sexual e de vida social. Essa produção assume que seu objetivo deve estar situado desse modo e coloca-se à espera desses discursos para depurá-los e expô-los ou para seduzir e extraviá-los. Em suma, “esse trabalho não põe entre parêntese a arte para um experimento formal ou perceptivo; em vez disso, procura suas filiações em relação a outras práticas (na indústria cultural e em outras partes); tende também a conceber seu tema de modo bem diferente” (1996:140). Ao reconhecer, na produção da década de 1980, ações que ativam a criticidade e continuam (e ampliam) as ações desconstrutivas e críticas da década de 1960, o autor escapa de cair na noção pessimista (e que, para ele, também é cínica) de que a arte nesse período perdeu toda a capacidade crítica e só pode ser pastiche e/ou cópia acrítica.

Desse modo, a tese de Foster de que ainda existe uma arte crítica na década de 1980 é baseada na prática de alguns artistas que ficaram conhecidos (grande parte deles) como segunda geração da Crítica Institucional. Retomando o diagnóstico feito por Foster (o da ampliação da crítica), há que se dizer que a prática da Crítica Institucional nos anos 1980 se amplia para, não só desvendar estruturas subjacentes nos museus, mas entendê-los como espaços produtores (e reprodutores) de formas de conhecimento e discursos (ideológicos) que são excludentes, desiguais ou economicamente determinados. Em sua segunda fase, a Crítica Institucional operava não apenas no desvelamento (e também), mas na interferência nos modos de produzir conhecimento existente nos museus.

Nesse momento de retomada, a questão da definição do que é Crítica Institucional se tornou mais evidente (e, acreditamos, também necessária). A necessidade vinha da própria prática que pedia novos questionamentos sobre o que é instituição – algo já iniciado pelos próprios artistas da primeira geração – e sobre a inserção em um outro contexto, agora de abertura para o neoliberalismo, financeirização da arte e processos de estabilização dos novos sujeitos emergidos nas lutas dos anos 1960 na arena política (feministas, movimentos negros e queers).

E foi a partir daí que a reflexão sobre a Crítica Institucional tomou corpo e começou a alargar seu campo para além da instituição como museu, galerias ou colecionadores. Se a primeira geração já se havia dado conta de que os artistas, eles mesmos, são também instituição, participam para sua existência, reprodução ou ruptura, a segunda geração desenvolve de maneira ainda mais ampla essa consciência, tornando o sujeito-artista e sua prática o fundamento da Crítica Institucional. A instituição agora é reconhecida como um conjunto de discursos e práticas que, se por um lado são autônomos (no sentido de que conformam seu próprio mundo), por outro estão em estreita conexão com outras instituições sociais que o modelam e conformam também.

Para Hal Foster, os artistas recentes enfatizam mais a manipulação econômica do objeto de arte – sua circulação e consumo como signo-mercadoria – do que sua determinação física pela moldura. Ou seja, escapam ao foco na moldura do museu que era enfatizada mais pela primeira geração. Porém, assim como os primeiros, eles procuram revelar o caráter definicional dos suplementos de arte, só que tendem a dar mais destaque ao que aparece como insignificante institucionalmente (o supervisto) do que ao transparente (o não visto) – isto é, as funções como o arranjo de pinturas em galerias, museus, escritórios, lares, e formas como o press-release e os convites para a exposição que, tido como triviais em termos de arte, de fato fazem muito para posicioná-la, determinar seu lugar, recepção, significado (1996:144).

Daí que foi possível para os artistas da segunda geração, como Andrea Fraser, Fred Wilson, Reneé Green, Lousie Lawler, Barbara Kruger, Allan McCollum - tidos como os mais citados -, iniciarem uma prática de questionamento que incluíam as discussões feministas, o pós-colonialismo, além da própria crítica ao apoio que as artes prestavam à ideologia neoliberal, através dos museus-empresas. Não somente o museu, ou o sistema de arte, estão em jogo nas práticas críticas desses artistas, mas posições e definições de sujeitos, uma episteme que subjaz não apenas as relações museológicas que se estabelecem, mas também relações sociais que determinam lugares, seguindo uma hierarquização quase sempre desvantajosa para negros, mulheres, homossexuais. O museu é o lugar de explicitação dessas relações sob determinadas práticas. A visão do outro (especialmente o negro) como exótico ou selvagem, a posição da mulher como objeto passivo da representação (especialmente de seu corpo) e quase nunca como agente no fazer representativo; enfim, o questionamento do outro como objeto, do museu como lugar do espetáculo e ambiente privilegiado da crescente financeirização da arte (e do artista). A revelação e questionamento de uma episteme colonialista e instrumentalizadora são os marcos críticos dessa nova fase da Crítica Institucional (e que continuam até hoje no trabalho de alguns dos artistas citados, especialmente Andrea Fraser).

Porém, a aceitação dos trabalhos dessa nova geração não foi pacífica. Alguns críticos veem nesse momento, uma tentativa de ampliação da Crítica Institucional que acabou por reificá-la mais. E uma dificuldade de aceitação que nos parece central nesses críticos é o fato de que essa nova geração modificou o entendimento do que é instituição, tornando-a generalizada. Entender essa noção ampliada, essa noção sociológica da instituição, parece tarefa difícil pra muitos críticos, que acabam, por conta disso, sem conseguir enxergar um outro lado da crítica dessa segunda geração em suas práticas e escritos.

Por exemplo, o crítico Brian Holmes (2007), reconhece, na geração dos anos 1980, a entrada das questões levantadas pelo feminismo e a historiografia pós-colonial, mas acredita que esses artistas permanecem, em sua prática, presos à instituição, realizando o que ele acredita ser uma espécie de impotência transformadora. Referindo-se mais diretamente ao trabalho da artista Andrea Fraser (quem irá desenvolver um conceito de instituição a partir da teoria sociológica bourdieusiana), Holmes diz que “a mistura entre a análise determinística de Bourdieu sobre a clausura dos campos socio-profissionais, com uma confusão entre a jaula weberiana e o desejo foucaultiano de distanciar-se de si mesmo, se internaliza em um tipo de governamentalização do fracasso, que impede ao sujeito fazer outra coisa que não seja contemplar sua própria prisão psíquica, mesmo compensado com alguns luxos estéticos” (2007:04).

Ao encontrar a Crítica Institucional como imersa em uma realidade circular e reificadora, Holmes sente a necessidade de recorrer a algumas ferramentas conceituais, a exemplo da noção de transversalidade, elaborada pela escola francesa de análise institucional (particularmente, Guatarri), para pensar em possíveis saídas. Para o autor, este conceito ajuda a teorizar os agenciamentos heterogêneos que conectam atores e recursos do circuito artístico com projetos e experimentos que não se esgotam no interior de dito circuito, mas que se estendem a outros lugares. “Se se definem como arte os projetos que daí resultam, dita denominação não carece de ambiguidades, já que se baseiam em uma nova circulação entre disciplinas que, com frequência, incorpora uma verdadeira reserva crítica de posições marginais ou contraculturais – movimentos sociais, associações políticas, universidades ou cátedras autônomas – que não podem reduzir-se a uma institucionalidade omniabarcante” (2007:05).

Desse modo, Holmes parece querer enfatizar a prática coletiva, em rede e fora de definições institucionais e disciplinares como uma possível terceira geração da Crítica Institucional (e/ou como uma prática de crítica possível no contexto artístico e social atual). E é compreensível sua tentativa de entender não só o conceito de campo, mas também o de mundo da arte criado por Arthur Danto, como fechado, determinístico e, para ele, até fetichista, visto que pretende realizar uma compreensão da arte como operando em um campo ampliado, fora da estética. Mas aqui acaba por reproduzir, realizando uma reflexão epistemologicamente distinta (usando a teoria de Bruno Latour como base), novamente a ideia de reaproximação de arte e vida da vanguarda. A completa eliminação de instituições e definições, a imersão da arte no ativismo político, em outras disciplinas, implica, como consequência, a eliminação da ideia de arte. E isso é o que ele pretende aparentemente.

Desse modo, ele só consegue ver as ações de Crítica Institucional realizadas nos anos 1980 como algo “sem nenhum tipo de relação antagonista, nem sequer agonística, com o status quo, sem nenhum afã de modificá-lo” (2007:06). E ao colocar a ação dos artistas dos anos 1960 como um exame crítico necessário, e ver a dos artistas dos 1980 como uma espécie de aceitação da condição institucional por não desmoronar de vez o que os anteriores iniciaram - a ideia de instituição-, Holmes, em nossa opinião, se coloca em uma espécie de encruzilhada. Parece-nos que há uma certa ingenuidade nessa ideia de Holmes, visto que parece não levar em consideração que essas operações, invariavelmente, estarão no campo, dentro dele, serão absorvidas por ele, ampliando-o ainda mais. E o que fazer dessa crítica proposta por ele quando seja arte? Quando seja estética? Quando esteja no campo novamente? Há saída nessa sua proposta? Talvez as práticas de Crítica Institucional poderiam ajudar a responder essas questões.

O próprio Peter Osborne não parece muito entusiasmado com a produção que identifica como sendo neo-conceitual. Deste modo, dá a impressão de que, a exemplo de outros como o próprio Benjamin Buchloh e até mesmo Lucy Lippard, parece tentado a ver a Arte Conceitual como constituindo um momento histórico único e específico na arte, o qual não se pode retomar – ao menos não com sinceridade. Porém, entende que o desafio crítico da Arte Conceitual segue vigente na arte contemporânea. Mas não cita muitos exemplos de ações nem de projetos que permanecem críticos nesse período o qual, para ele, está irremediavelmente tomado pelo mercado, além da anteriormente citada emergência da instalação como ação artística conceitual efetiva nesse período. Mas acredita que a busca de rigor intelectual da Arte Conceitual pode prover uma mirada crítica ao que se produz atualmente em seu nome (e a partir dos seus métodos). Em suas palavras:

A arte conceitual é uma categoria dos anos 1960, e os anos 1960 são um território em disputa por razões que vão mais além da história da arte. (...) Uma das causas é que a vanguarda dos anos 1960 redescobriu e readaptou alguns procedimentos básicos inventados pela vanguarda europeia entre as duas guerras mundiais (Dada, Surrealismo, Futurismo, Construtivismo), sob novas condições sociais e artísticas. No processo, transformou seus significados. A arte conceitual forma um vínculo crucial com uma particular história cultural e política, o que Jeff Wall chamou de o sonho de um modernismo com conteúdo social, que continua até nossos dias. Para outros, estes sonho está acabado. Fica também a questão sobre o papel das estratégias conceituais na arte atual. Nos anos 1990, o mundo da arte internacional esteve dominado por um conjunto formalmente diverso de objetos e práticas pós-conceituais que combinam a herança da arte dos anos 1960 com as novas orientações do mercado e a antipatia sobre a teoria que distingui a reação contra as vanguardas nos anos 1980. A busca de rigor intelectual da arte conceitual, em sua investigação sobre o que Rosalind Krauss chamou de condição pós-meio, pode nos prover de um ponto de vista crítico desde o qual deveria ser julgada a arte do presente. Inversamente, os novos usos das estratégias conceituais na arte recente dão às obras canônicas dos anos 1960 e 1970 um novo relevo” (2002:17).

Aqui, para mediar essas críticas, é importante ter em mente o que diz Hal Foster sobre as estratégias da própria vanguarda, as quais, para ele, são mais performáticas que literais e uma ideia da história como não-essencial, definitiva e irrecuperável. Essa consciência da história na pós-modernidade levará, sim, a realização de apropriações que serão mais favoráveis a um mercado ávido por novidade. Porém, a crítica também não é uma dimensão que ocorre uma única vez e de uma mesma forma.

As novas condições do campo artístico dadas através da emergência da arte contemporânea neste, seguida pelas transformações realizadas pelas vanguardas e a ampliação pós-moderna, fazem emergir outras formas de crítica, as quais as vezes não parecem muito evidentes aos críticos e historiadores. Se as apropriações aparecem como pastiche ou retomadas problemáticas, algumas outras realizam o mesmo jogo na aparência, mas também estão inserindo o ruído e o questionamento no interior deste campo altamente ampliado, pluralizado e diversificado. São agentes duplos que jogam o jogo da instituição e do mercado (e são vistos por alguns críticos, como Holmes, como sendo inócuos ou, até mesmo, masoquistas), mas a tensionam desde dentro, visto que sabem que esta tem o poder de fagocitação bastante ampliado atualmente, principalmente depois do discurso pós-modernista validar uma espécie de “vale tudo”. A arte contemporânea não é um gênero apenas. É também resultado de um discurso, de uma disputa ideológica no interior do campo da arte que resultou na mudança do papel de agentes, na configuração das instituições e exige do público e dos críticos uma nova postura diante dessa produção. Dentro deste contexto, também a ação crítica passou por transformações importantes e precisa ser melhor observada.