Texto inédito
Quando falamos sobre arte contemporânea, percebemos que
quase impossível falar desta sem citar a questão tanto da ideia de
pluralismo e diversidade, quanto da noção de pastiche. Essa
sensação de uma tentativa de retomada acrítica da história, vista
através de movimentos como a transvanguarda e o neo-expressionismo1,
por exemplo, será sentida por vários autores que discutem o
pós-modernismo artístico e a pós-modernidade. E, creio, será a relação aproximada entre a arte
contemporânea e a pós-modernidade – e, junto com ela, as noções
de fim da história, de morte da crítica, de fim da hierarquia,
entre outras -, que provocará grande parte dos questionamentos contra esta.
Alguns
teóricos
da pós-modernidade como Fredric Jameson (pelo menos em seus escritos
de fins dos anos 1980 e década de 1990) acreditam que a
possibilidade crítica no período pós-moderno da arte está
prejudicada. Primeiro porque, para ele, a conjuntura pós-moderna (de
uma maneira geral) é marcada por uma desdiferenciação de campos, o
que fez com que a economia acabasse coincidindo com a cultura e que a
cultura se tornasse profundamente econômica. Nesse contexto, a
produção de mercadoria e a especulação financeira se tornam
culturais e a cultura se torna produtora de mercadoria e abriga, em
seu interior, a especulação financeira também.
Sendo
assim, a arte no pós-modernismo, além de haver distanciado-se de
sua busca filosófica pelo absoluto (recusa do sublime), agora também
se deixou abrir novamente para o Belo, ou seja, como fonte de prazer
e satisfação. A consequência disso é que, para este autor, um dos
aspectos ou práticas mais significativos da pós-modernidade é o
pastiche. Tanto o pastiche quanto a paródia implicam a imitação, a
mímica de outros estilos, particularmente de maneirismos e
conotações estilísticas de outros estilos. Porém, o pastiche não
possui referencial. O pastiche é uma paródia vazia. Em suas
palavras:
(o
pastiche) é a imitação de um estilo peculiar ou único, a fala
numa língua morta, mas é uma prática neutra dessa mímica, sem a
motivação ulterior da paródia, sem o riso, sem aquele sentimento
ainda latente de que existe algo normal comparado ao qual aquilo que
se está imitando é cômico. O pastiche é a paródia vazia. O
pastiche é a prática da imitação que perdeu o referencial de
normalidade, ou seja, de padrão universal que indicava o que era o
considerado normal e o que, fora disso, seria excêntrico.
Multiplicidades de estilos e idiomas do pós-modernismo retiram essa
noção de padrão, tornando a paródia impossível e só permitindo
o pastiche. (Jameson, 1990: 28/29)
Sendo
assim, a arte pós-moderna, dada ao pastiche que é, torna-se um mero
repetir de estilos já criados pelo modernismo. Porém, esse pastiche
tem um agravante: não possui a motivação crítica e ruptora do
modernismo. Seguindo o raciocínio de Bürguer, Jameson não vê a
possibilidade crítica de uma arte dada à imitação, nascida no
capitalismo tardio, multinacional ou de consumo. Nesse ambiente, as
imagens, os signos, tudo parece dado a uma apreciação estética
imediatista e presentista, sem nenhum projeto crítico amplo que o dê
suporte e sentido. Olhando para o modernismo, Jameson vê como este
atuou na cultura burguesa - na modernidade - de maneiras críticas,
subversivas, oposicionistas e se pergunta: “Será possível afirmar
algo dessa natureza sobre o pós-modernismo e seu momento social?”
(Jameson, 1990:43)
Em
uma análise um pouco mais detalhada sobre a situação da arte
contemporânea - mas em muitos pontos próximas à de Jameson -,
Foster percebe como as ações dos anos 1960, à medida que se
tornaram institucionalizadas, abriram o caminho para a tão falada
dispersão dessa prática. Isso porque as, anteriormente, ações
antiestéticas foram recuperadas pela repetição, e os espaços
alternativos acabaram por institucionalizar-se. Isso leva a que
formas de arte específicas conduzissem a arte à dispersão em
geral. Uma dispersão que, em suas palavras, “se tornou a primeira
condição do pluralismo” (1996:35). Aparentemente repetindo a
análise de Bürger sobre as vanguardas, Foster chega à conclusão
de que sim, as neovanguardas foram institucionalizadas e recuperadas.
Mas, à diferença do primeiro, não vê nisso apenas o aspecto
negativo da morte da vanguarda ou o fim de sua capacidade crítica.
Ao contrário, tenta mapear uma nova realidade institucional e
prática da arte para, a partir daí, encontrar as possibilidades de
crítica remanescentes.
Mas
a realidade que ele encontra, pelo menos falando da década de 1980,
não é nada animadora. Para Foster, o alegado pluralismo da arte
contemporânea (na década de 1980, ainda chamada também de arte
pós-moderna) era índice de um mercado confiante na arte
contemporânea como investimento. E, para este autor, a ideologia do
pluralismo, a qual alega o fim de todas as ideologias e utopias, se
coadunava perfeitamente com a ideologia do livre mercado em
emergência no período de ampliação do neoliberalismo.
Ou
seja, a noção de quebra da hierarquia dos estilos, festejada por
alguns como conquista de liberdade da arte, para Foster acaba por
levar a uma situação de equivalência (arte de várias espécies
passam a parecer todas mais ou menos igual – igualmente
(des)importantes). Desse modo, a ideologia pluralista concebe a arte
como natural, o que também pode levar a que esta seja vista como
livre de constrangimentos não-naturais (como a história e a
política) (1996:43).
E
retomando a ideia de morte da vanguarda, declarada por vários
críticos para analisar esse período, Foster a critica como sendo
uma sentença que não diz nada. Seguindo um caminho de análise
baseado na Teoria Crítica, assim como Bürger e Jameson, Foster
acredita que é preciso extrair alguma conclusão desse tipo de
análise. E para ele, uma dessas conclusões é a de que a arte
contemporânea aparece como “menos governada pelo conflito entre a
academia e a vanguarda do que por um conluio de formas privilegiadas
mediatizadas por formas públicas” (1996:44).
Desse
modo, para ele, mais do que morte da vanguarda, o que acontece no
período da arte contemporânea é uma apropriação neutralizante da
atitude anti-moderna e da vanguarda. Segundo Foster, “as múltiplas
posturas do pluralismo sugerem uma paralisia cultural, um status quo
assegurado” que podem, inclusive, servir como biombo político e
também como biombo econômico. E voltando à Adorno, diz que “agora
(a arte) é uma indústria por sua própria conta, que é crucial
para nossa economia consumista como um todo. Nesse tipo de Estado, a
arte é raramente confrontadora e desse modo tende a ser absorvida
como qualquer bem de consumo – como um dos maiores” (1996:45).
Até
aqui, a análise de Foster não se diferencia muito da conclusão de
Jameson em relação ao pastiche, que seria a característica
artística do período pós-moderno. Estaria este autor rendendo-se
ao fatalismo de diagnosticar situação sem solução final, à visão
de um contexto fechado e reificado, à maneira da aporia da Teoria
Crítica em que caíram desde Adorno, até Bürger, Jameson e outros?
Porém, mesmo contaminado por um profundo pessimismo que parecia
dominar numa época de neoliberalismo triunfante, mercado voraz e de
alegada vitória do capitalismo sobre o socialismo que parecia deixar
o mundo sem vias de escape, Foster é atento em sua análise às
práticas artísticas. Essa atenção o leva a diferenciar dois tipos
de pós-modernismos: um alinhado a uma política neo-conservadora
(que seria o pós-modernismo do pastiche) e um outro relacionado à
teoria pós-estruturalista (o qual teria uma dimensão crítica mais
presente).
Apesar
de chegar à conclusão de que, epistemologicamente, esses dois
pós-modernismos não eram assim tão diferentes entre si, o fato de
Foster encontrar diferenças entre os dois é importante por deixar
no nível da prática artística a evidência de que se distinguem
desde a opção pelo político em um e na opção pela política em
outro. Até agora ainda não havíamos mencionado de maneira direta a
tese de Chantal Mouffe2 sobre a
diferença entre a política e o político.
De
maneira similar ao que faz Rancière quando diferencia a política de
a polícia, Mouffe define que a política é a dimensão da
instituição, das práticas e normas sociais estabilizadas em
instituições que organizam a vida social, lhe dão forma e sentido.
O político, se refere a uma dimensão do conflito, o agonismo
necessário e presente no interior do social (e, consequentemente,
dessas instituições que o conformam). A prática artística para
esta autora, então, se refere a que, por um lado, podem contribuir
para uma configuração social hegemônica, reproduzindo sua forma e
regras, sendo, nesse caso, política; como, por outro, podem inserir
no centro dessa configuração social o ruído, o agonismo, o
conflito, sendo, desse modo, portadoras do político.
Assim,
apesar de que, em termos epistemológicos básicos, Foster acredite
que esses dois pós-modernismos sejam historicamente o mesmo no fim
das contas, há diferenças de práticas artísticas importantes que
derivam desta diferença entre uma posição neoconservadora e outra
pós-estruturalista. E essa diferença se encontra na presença do
político na prática pós-estruturalista.
É importante ressaltar que Foster, influenciado pelos
escritos sobre pós-modernidade do período, especialmente Jameson,
situa a prática pós-estruturalista no nível da teoria. Jameson
havia afirmado que a arte pós-moderna estava dividida entre o
retorno ao belo (e ao pastiche), por um lado, e à teorização da
arte, por outro, ambos como sintoma da decadência do sublime
modernista. Essa dimensão teórica da prática pós-estruturalista é
aparente quando esta trata a obra como texto. Fazendo uma análise
que se parece muito com a que Bürger irá realizar quando fala da
diferença entre obra orgânica e obra inorgânica, Foster
relacionará a obra à transparência entre signo e significado que
dá a esta a sensação de completude. Em suas palavras, a impressão
é de que a obra é:
“(...)
um todo estético, simbólico, selado por uma origem (isto é, o
autor) e um fim (isto é, uma realidade representada ou significado
transcendente); e texto para sugerir uma a-estética, um espaço
multidimensional no qual uma variedade de escritos, nenhum deles
original, se misturam e se chocam. A diferença entre os dois reside
por fim nisto: para a obra, o signo é uma unidade estável de
significante e significado (com o referente assegurado ou, em
abstração, colocado entre parênteses), enquanto o texto reflete
sobre a dissolução contemporânea do signo e o jogo liberado dos
significantes.” (1996:176)
Sendo
a obra pós-modernista considerada como orgânica (usando as palavras
de Bürger), ou seja, uma unidade simbólica com origem e final, o
retorno pós-modernista neoconservador resulta num pastiche, uma
instrumentalização de significados históricos, de estilos e
imagens que são tomadas em seu caráter superficial, aparente, sem
questionar a dimensão de representação destes, nem seu fundamento
social e político. Já o pós-modernismo pós-estruturalista
“realiza uma crítica da representação: questiona o conteúdo de
verdade da representação visual e explora os regimes de significado
e da ordem que esses diferentes códigos sustentam” (1996:176). Em
termos estilísticos e políticos, a prática desconstrutiva adotada
pelo pós-modernismo estruturalista se diferencia de forma evidente
de uma outra prática de instrumentalização de estilos artísticos
e/ou de suas disciplinas, assim como a crítica da representação é,
nas palavras de Foster, inteiramente diferente de uma reciclagem do
Pop – ou de imagens pseudo-históricas (1996:178).
Mas,
como dito anteriormente, apesar de Foster abrir esse espaço (que por
nós será posteriormente mais explorado) este autor, ao falar em uma
condição pós-moderna mais ampla do período, deixa claro que está
alinhado a outras leituras do momento sobre o mesmo. Desse modo,
resume o que para ele seriam as chaves dessa condição pós-moderna:
a erosão do status do sujeito e sua linguagem, da história e da
representação. E mediando tudo isto, um mercado ampliado e inflado
pelas vitórias do capitalismo frente às suas antigas “ameaças”,
o que configura um cenário político de intolerância com o
diferente, com as questões políticas suscitadas nas décadas
anteriores e uma necessidade de retorno ao conservadorismo social
para garantir a ampliação do neoliberalismo econômico.
É
um momento complexo em que ao passo que emerge uma tendência
neo-conservadora, as rupturas epistemológicas anteriores,
especialmente as realizadas pelo pensamento pós-estruturalista (e
refletidos na produção artística da neo-vanguarda) já não podem
mais ser “desfeitas”. Sendo assim, parece emergir um movimento de
apropriação cínica ou de instrumentalização das ideias
desconstrutivas, do colapso do sujeito e da narrativa histórica. O
pensamento pós-estruturalista, por sua vez, passa a ser criticado
por não apresentar efetivas soluções políticas, parecendo
encerrar-se em uma espécie de idealismo da diferença e da dispersão
(a tese de Lyotard da banda libidinal, a ideia de sujeito
esquizofrênico do capitalismo e do rizoma de Deleuze e Guatarri, a
diferránce de Derrida). Neste momento, parece que tudo o que parecia
possível anteriormente, se dissolve na incerteza e na
impossibilidade. Desfeito o sujeito, o que colocar em seu lugar? Como
representar uma identidade política? Desfeita a história, como
narrar o social e representá-lo? O que restou da crítica
pós-estruturalista no meio de um contexto pós-modernista de
impureza textual, indefinição do sujeito, dos limites?
Esse
contexto que parecia encher o ar de pessimismo no lado dos
intelectuais e teóricos de esquerda, levou a algumas interpretações
totalizantes sobre a situação da política, da economia e
especialmente da cultura dentro desse cenário. A de Jameson, por
exemplo, foi criticada por ser muito grandiosa, como, segundo Foster,
considerasse o capital um grande ceifeiro que saiu arrancando tudo
por onde passou. Além disso, o autor não parece levar em
consideração uma diferença cultural e geográfica do capitalismo
quando afirma sua tese principal de que a dimensão econômica e a
cultural se imbricaram de maneira definitiva no pós-modernismo.
Desse
modo, Jameson acaba por reproduzir, em seu pensamento, uma tendência
economicista totalizante, que em alguma parte se parece com a
tendência da Teoria Crítica (especialmente, do pensamento
adorniano), em que esta domina completamente a esfera da cultura.
Cria uma espécie de modelo em que diferentes momentos tecnológicos
e econômicos do capitalismo são relacionados a paradigmas culturais
(a exemplo da análise infra-estrutura versus superestrutura
marxista). Essa análise o leva à conclusão de que no período do
capitalismo financeiro, disperso e multinacional de fins do século
XX, corresponde um paradigma do pastiche cultural, signo das
fronteiras dispersas e dos espaços mistos que este engendra. Este
paradigma, conforme alerta Crimp, está baseado em uma noção
limitada de modernismo também. Sendo o pastiche (mímica sem
crítica, uma paródia neutralizada), o paradigma cultural deste
período, a ideia que se tem é que, então, não é possível
existir outro tipo de ação crítica nesse momento cultural do signo
esvaziado (tornado, ele mesmo, mercadoria).
A
questão do signo tornado mercadoria e esvaziado, tornado impotente,
aparece em outra tese bastante conhecida sobre o pós-modernismo: a
da simulação, formulada por Jean Baudrillard. Este autor
compartilha uma visão catastrófica e apocalíptica do mundo em um
pretenso último estágio do capitalismo no qual não resta mais nada
que simulação. O real, assim como a verdade, a história, o
sujeito, foi liquidado. Para Baudrillard, o signo, transformado em
valor e mercadoria, representa o fim de uma economia política, do
referente, do real da política e do social. A televisão, como
aparato de simulação que passa a integrar os fluxos de significação
e informação com os das mercadorias, acaba por fazer escoar o real
para fora da ordem das mercadorias e dos acontecimentos. E tudo é
reduzido a imagens que referem-se a outras imagens.
Esta
tese está claramente
baseada no pensamento nietzschiano (em seu extremo idealista de que
as estruturas do conhecimento conformam inteiramente o objeto) e,
também, na teoria sobre a mídia McLuhann (segundo indica Andreas
Huyssen3),
de que esta alcançaria um estágio de alcance e conexão quase
total. O resultado disso é a incapacidade de perceber outra
possibilidade que não a da completa simulação, de uma sociedade
conectada por imagens de imagens no interior da qual a crítica e a
resistência se dão apenas pelo silêncio (visto que para este autor
até as representações sociais também são simulacros). Dentro
desse contexto, também a arte (como praticamente todo o resto) seria
simulação, sem espaço nem possibilidade para uma representação
crítica, visto que não há mais o que se representar que não o
simulacro. Sendo o capital um sistema de significantes flutuantes,
descolados de qualquer referente, como se produzir uma crítica a
ele? Como se escapar dele?
A
aporia em que se mete a teoria de Baudrillard, ao passo que parece
seguir um caminho adorniano de impossibilidade, para alguns teóricos,
como Huyssen, é mais uma teoria cínica e afirmativa do que crítica.
Segundo Huyssen, esta teoria acaba por participar de forma afirmativa
“na operação de um sistema que, meramente, simula o real para
manter o status quo. Nesse caso, Baudrillard seria o defensor cínico
do que está em questão, só porque é isso que está em questão”
(1997:75). Ou seja, a sua teoria da simulação seria uma simulação
mais a manter o estado das coisas.
Uma
outra tese conhecida sobre o pós-modernismo é a do filósofo
Jean-Françoise Lyotard. Conhecido por sua relação com o
pós-estruturalismo, esse autor parece ser um dos nexos que esse
pensamento francês da década de 1960/1970 possui como o que ficou
conhecido como pós-modernismo e pós-modernidade. Segundo Hal
Foster, uma das principais teses deste autor é a de que o
pós-modernismo marcou o fim das grandes narrativas, as quais
relacionavam a modernidade à ideia de progresso e a de história
como um acontecimento linear e sucessivo. Essas grandes narrativas
eram as noções de marcha da razão, o acúmulo de riqueza como
valor último, o avanço da tecnologia como necessário e inevitável
e, até, a ideia de emancipação dos trabalhadores. Essa tese, que
se relaciona com todas as críticas pós-estruturalistas ao
logocentrimo, à metafísica presente no pensamento ocidental, à
ideia de sujeito, etc, também será, se não a responsável, uma
grande influenciadora de alguns discursos apocalípticos de
pós-modernidade como sendo uma espécie de “fim de tudo”.
A
aparente dispersão a que leva o pós-estruturalismo, especialmente
este elaborado pelos franceses nas décadas de 1960, é criticado
como uma espécie de segundo idealismo. Segundo Peter Dews4
“a tentativa de Derrida de elaborar uma crítica do sujeito
idêntico a si mesmo, que fuja de qualquer aspecto naturalista,
resulta numa posição não mais plausível que a metafísica monista
de Lyotard” (1996:64).
Essa
dimensão idealista resulta, de um lado, em uma afirmação
ontológica de uma pluralidade irredutível – pensamento
Nietzschiano do conceito como redutor da multiplicidade e indiferença
encontradas no natural – e, por outro lado, na eliminação de uma
dimensão material (natural). Em Derrida, o sujeito é um ente
inscrito num sistema de différance, uma espécie de texto ampliado
em que a subjetividade, a objetividade, o objeto, o sujeito, todos
estão em um jogo de identidade e não-identidade uns com os outros.
Em Lyotard, por outro lado, a possibilidade de formação de uma
identidade se torna impossível na ideia de banda libidinal, visto
que tudo é um fluxo de sensações, de forças, de energias. A ideia
de rizoma em Deleuze e Guatarri também destaca essa potência de
multiplicidade em que o conceito, ou a identidade, constituem formas
de fechamento violentas.
Supondo
que estes diagnósticos de um possível fim de tudo, ou do
pós-estruturalismo como sendo este mero idealismo desconstrutivo
estejam corretos, obviamente restaria para a arte contemporânea não
ser mais que um mero reprise de uma história falida e finada. E
assim sendo, não poderia jamais novamente voltar a ser crítica ou a
posicionar-se frente a um contexto político ou social, visto que,
inclusive estes, parecem também findados ou fechados em uma
pós-história na qual talvez nada mais acontece.
E
essa ideia de fim das grandes narrativas, fim da utopia e até da
ideologia afetaram bastante a produção artística dos anos 1990, a
qual se viu atrapada entre a impossibilidade crítica e o cinismo.
Algumas estratégias surgidas nesse momento, como a ideia de Estética
Relacional, desenvolvida por Nicolas Bourriaud, se abrigavam no
contexto localizado e imediato. A estética relacional pensava na
arte como experiência de reconexão afetiva, emocional e imediata a
qual se, por um lado, trazia à arte uma potência existencial e
fenomenológica, por outro a encerrava em um espaço bastante
localizado e pouco conflituoso que servia bastante bem ao mercado.
Como vimos no tópico anterior sobre as instituições pós-modernas,
essa ideia de arte como promotora de experiências sensoriais foi (e
talvez ainda seja) um importante motor para a cada vez maior
abrangência de uma noção de entretenimento no interior das
instituições de arte.
Pensando
desse modo, é quase óbvio que as críticas sobre a arte
contemporânea que partam deste tipo de tese sobre a pós-modernidade,
o pós-modernismo e a cultura nesse contexto sejam a de que esta não
possui mais potencial crítico, ao menos não que valha a pena (ou
que seja efetivo). Se só resta pastiche, repetição, simulação,
por um lado, ou desconstrução, indeterminação e incapacidade de
ação, por outro, parece quase evidente o diagnóstico de que está
morta a possibilidade crítica, ou severamente prejudicada. O mundo
dominado pelo mercado parece transformar tudo ou em neutralidade ou
em cinismo.
Mas
esse tipo de crítica possui em seu DNA, em sua estruturação
teórica, uma ideia de revolução universal e generalizante que
solapou a teoria crítica, tal como a formularam Horckheimer e
Adorno, fazendo-a recolher-se a aporia de uma crítica sem saída.
Apesar de referirem-se a um momento pós-moderno, período de
fragmentação e pluralismo, parecem não conseguir sair de um
esquema totalizante que persegue grande parte do pensamento social,
especialmente o de esquerda. Enquanto a direita se aproveita do
fragmento para transformá-lo em pastiche e, assim, potencializá-lo
como provento financeiro, a esquerda se perde em diagnóstico
fatalistas, totalizantes e, até, de certa maneira moralistas, que as
deixam cegas para a análise crítica do fragmento, do disruptivo, do
espelho quebrado.
A dimensão do
fragmentário, já percebido em Benjamin e ampliado pelo
pós-estruturalismo, se por um lado pode aparecer como problemático,
por outro ainda é fundamental para entender como a arte pode seguir
operando rupturas. Pensar a ação de vanguarda não como um projeto
total, mas como um ato performático foi a diferença fundamental
entre Bürguer e Foster, que fez este segundo seguir encontrando a
crítica onde o outro via apenas assimilação. O fragmentário,
aqui, tem a ver com a dimensão de uma prática individual que
desconstrói por dentro, que não é mais uma tentativa de ruptura
universal e total com a instituição-arte. A crítica ainda é
possível na arte contemporânea, desde que haja uma performatividade
artística, uma ação crítico-política em sua direção.
1A
transvanguarda e o neo-expressionismo foram movimentos artísticos
emergidos na década de 1980 que pregavam a volta à pintura contra
as práticas desmaterializadas e plurais anteriores. Havia uma
defesa ao pictórico contra uma espécie de tentativa de
“assassinato” anterior. Esses movimentos articulavam questões
históricas da arte de maneira livre e até aleatória e foram
bastante importantes no processo de superaquecimento do mercado de
arte do período. Muitos críticos consideram esses dois movimentos
como pastiches, imitações sem sentido e objetivo de vanguardas
artísticas e movimentos modernistas que acabaram servindo mais a um
discurso conservador pós-modernista.
2MOUFFE,
Chantal (2007). Prácticas Artísticas y Democracia Agonística.
Barcelona, Museo Reina Sofia.
3HUYSSEN,
Andreas (1997). Memórias do Modernismo. Rio de Janeiro, Editora da
UFRJ
4IN:
ZIZEK, Slavoy. Mapa da Ideologia. Rio de Janeiro, Contraponto.
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