quarta-feira, 29 de abril de 2015

MOMA: nascimento e constituição do Museu de Arte Moderna no século XX


Texto inédito 

Se os artistas iniciaram, no século XIX, um movimento de criar seus próprios espaços de difusão e produção, como passa a se configurar então o campo da arte moderna? Quais serão seus marcos difusores e legitimadores de discursos no interior do campo? Ou seja, quem eram os agentes e quais instituições foram criadas para fazer circular, legitimar e reproduzir estes discursos autonomistas na arte? Pensando numa possível resposta a essas questões, um caso exemplar vêm à mente: o Museu de Arte Moderna de Nova York. Esta instituição é considerada paradigmática de um modelo de instituição voltado para a arte moderna, funcionando como difusora de padrões e discursos legitimadores sobre esse modo de produção artística.

Segundo o autor Christoph Grunneberg, em seu ensaio The Modern Art Museum (1999), O Museu de Arte Moderna de Nova York foi o primeiro museu devotado exclusivamente à arte moderna, e sua coleção é considerada a mais abrangente do mundo. Para Grunneberg, desde 1929, “o MOMA tem desempenhado um papel crucial na definição do cânone modernista e na formação da maneira como a arte moderna é vista e entendida” (GRUNNEBERG, 1999:32). Deste modo, o famoso MOMA, tido como um dos marcos institucionais da produção moderna no início do século XX, rapidamente define-se como centro de difusão artística e ideológica, tornando-se uma referência mundial na exibição da arte moderna. Será esta instituição uma das grandes responsáveis pela difusão e constituição de uma tipologia museográfica para as exposições de arte moderna, conhecida pelo nome de Cubo Branco. Este modelo convencionou uma cenografia expográfica neutra, feita de paredes brancas, chão de madeira ou com tapetes cinzas, pinturas penduradas com grande espaçamento entre uma e outra e em formato linear e esculturas expostas sempre ao centro das salas, com grande espaço em volta para a sua contemplação ideal. A partir daí, este paradigma irá impor-se como o ideal para a exposição de arte moderna por todo o mundo.

Logo no início de sua criação, o MOMA ainda possuía uma estrutura conservadora, no sentido de ainda não pensar em espaços específicos para a produção moderna, já em plena constituição no período. A primeira mostra, em 1929, foi sobre Cezánne e Gauguin. A exposição “Armory Show”, realizada em seguida, foi considerada a primeira grande mostra internacional do MOMA, com características comerciais e de feira de arte bastante marcantes.

Em 1939, o museu inaugura sua nova sede e, aí, começa a estruturar-se como um museu de arte moderna de fato. Segundo Grunnenberg, a identidade pública do MOMA passará a estar conectada ao seu novo edifício, localizado na rua West 53, em Manhattan. A partir tanto do formato das mostras, como das políticas de acervo e ideias empresariais que o permearam, através das quais a instituição passa a ser colocada como competitiva no mercado (já que também é um lugar de negociação de obras), o MOMA adquire características e feições bem diferentes do seu início: ambiente mais austero, galerias com recursos mínimos e tendência à neutralidade, sem escadaria cerimonial, mas acesso ao nível da rua; sem colunas grandiosas, mas com uma fachada limpa, plana, voltada para a cidade. Neste momento (quando ainda era circundado por casas do século XIX), o prédio do MOMA funcionava como uma efetiva manifestação dos princípios modernos e da perspectiva internacionalista que esta instituição (e seus criadores) desejavam difundir.

Apesar do papel fundamental do MOMA no estabelecimento e difusão do paradigma do Cubo Branco, o surgimento desse padrão, segundo ainda Grunnenberg, não é totalmente creditado a esta instituição, mas depende de uma variedade de fontes externas. Já era possível encontrar manifestações anteriores do modelo modernista de exposição em museus europeus e em mostras realizadas após a primeira guerra mundial, especialmente na Alemanha. E Alfred Barr Jr. (primeiro diretor) viajou muito pela Europa nesse período. Desse modo, o museu, através de seu diretor, adaptou e refinou essas novas técnicas de disposição, optando pelo que agora é reconhecido como um modo modernista de exibir, às expensas de outros modelos de apresentação, os quais, atualmente, estão majoritariamente esquecidos. (1999: 30)

Como exemplo de modelos que foram possíveis precursores do formato Cubo Branco, Grunneberg destaca as exposições Expressionistas realizadas pelo museu Folkwang, em Essen, Alemanha. Para o autor, esta instituição continha um extraordinário ambiente expressionista que refletia as intenções e influências dos artistas. Aqui ainda não existia o ideal de pureza e neutralidade do Cubo Branco e as pinturas e esculturas expressionistas (incluindo trabalhos site-specific criados especialmente para o museu) eram combinados com mobiliário medieval e "arte primitiva". “Como no "display" modernista, as galerias lembravam o estúdio do artista mas, nesse caso, o fazia evocando o caos eclético e o turbilhão emocional do Expressionismo. Junto com as então comuns paredes brancas, os formatos das galerias expunham tijolos e paredes coloridas. Apesar de ficar bastante impressionado pelo formato do Folkwang Museum, Barr foi extremamente seletivo em sua adaptação dos elementos deste” (1999:30).

Ainda sobre Alfred Barr Jr., vale destacar seu importante papel para a definição do MOMA como espaço difusor, não só de produção artística, mas de um discurso ideológico e doutrinador sobre modernismo. Após este período de viagens pela Europa, especialmente Alemanha, como dito por Grunnenberg, Barr será bastante influenciado por ideias em voga no momento, especialmente pelo projeto utópico-educacional moderno da Escola Bauhaus. Filtrando estas influências com as lentes dos interesses específicos da instituição, ele irá formular um formato ideal de exposição da arte moderna onde esta fosse vista em toda sua inteireza e pureza, desvinculada de qualquer referência exterior e distanciada de qualquer adereço ou adorno desnecessário à sua contemplação.

Para Grunnenberg, a adoção do modelo do Cubo Branco pelo MOMA pode ser conectado com a concepção de Barr da arte como um desenvolvimento inevitável em direção à abstração (concepção parecida a de Clemente Greenberg e que se tornará um grande discurso sobre o modernismo, até ser posteriormente contestado). Segundo o autor, no museu moderno, arte abstrata e Cubo Branco entraram em uma relação simbiótica. Em sua aparente exclusão de toda referência do mundo além do domínio da pura forma, eles reforçam a descontextualização tradicionalmente efetuada pelo museu. Sendo assim, Grunnenberg acredita que o modelo do Cubo Branco deve o seu sucesso a esta estratégia de obliteração e auto-negação simultânea: destacando a inerente (isto é, formal) qualidade do trabalho de arte através da neutralização de seu contexto e conteúdo enquanto, ao mesmo tempo, permanece ele mesmo virtualmente invisível e, assim, obscurece o processo de obliteração (1999:31).
Vale destacar, ainda sobre a doutrina do Cubo Branco, sua inevitável relação com a ideologia da arte autônoma. A definição de uma teoria da estética pura, segundo Bourdieu, oblitera sua relação histórica, política, econômica e social. Desse modo, a afirmação de Grunnenberg de que o MOMA fez todos os esforços para remover a arte de qualquer associação com a esfera financeira, ao mesmo tempo que promovia um ambiente de negócios para as obras de arte, revela a operação da doutrina da estética pura transformando-se em ideologia. Segundo o autor:
As galerias foram destinadas a promover um ambiente neutro para a contemplação da arte - sem qualquer distração de decoração, obras vizinhas, ou, de fato, qualquer influência externa. (...) O efeito destes formatos era fazer os objetos parecerem ainda mais desejáveis, efetivamente identificando o visitante de museu com um consumidor - em vez de um simples apreciador de arte desinteressado (...). Acima de tudo, este isolamento do espaço da galeria do mundo exterior do museu funcionou (e continua a fazê-lo até hoje) para reforçar a noção de que a arte não tem nada a ver com o dinheiro ou com a política, mas pertence ao reino universal e intemporal do espírito. As galerias do MOMA são espaços para contemplação, produzindo uma atmosfera de reverência reminiscente da igreja, livre da desordem da ordinária vida cotidiana. (1999:34)


Até aqui parece que já ficou claro o impacto do paradigma do Cubo Branco na formação da instituição de arte moderna e de seus formatos de exibição, além da criação de um modelo de ideal de museu de arte moderna, promovidos pelo MOMA. Mas de onde vinha tamanho poder referencial deste museu? Talvez isso possa se explica por algumas questões. O exílio de vários artistas europeus para Nova York contribui para que este se torne um espaço privilegiado de exposição e produção artística, enquanto a Europa padece das crises sucessivas do pós- primeira guerra, dos regimes nazistas e fascistas e da Segunda Guerra Mundial; a capacidade de Barr, junto com Greenberg, em criar um discurso lógico, linear e progressivo sobre a arte moderna, o qual, por muito tempo, será considerado a narrativa por excelência desta (segundo esta visão, o modernismo se iniciaria com o impressionismo na França e culminaria no expressionismo abstrato americano); a invenção do paradigma do Cubo Branco que influenciará, de maneira profunda, a constituição dos museus de arte moderna ao redor do mundo, difundindo a ideia de neutralidade e distanciamento associadas à fruição da obra de arte moderna; a criação de departamentos específicos como setor educativo, de itinerâncias, biblioteca e, com o tempo, a divisão da curadoria para as áreas de arquitetura, fotografia, além de artes visuais, até então inédito nas instituições museais; o fato de se constituir, também, como espaço para a negociação da arte, tornando o museu um lugar de legitimação da produção artística, não só institucional, mas mercadológica também.

Esse lugar hegemônico conquistado pelo MOMA por quase 30 anos, aos poucos será questionado e combatido. Já a partir dos anos 1950, as críticas começaram a surgir e se amplificar. Mas durante o período dos anos 1960, elas se tornarão ainda mais contundentes. Não só as doutrinas sobre o modernismo aí difundidas (e reforçadas por outros críticos) serão postas em xeque, a partir do questionamento do que esse discurso intencionalmente deixa de fora na produção artística do período, como também (e principalmente) será bastante atacado o paradigma do Cubo Branco. Este espaço neutro, puro, quase sagrado, começará a ser visto como lugar que impõe maneiras de ver, que descontextualiza a obra de um entorno no qual poderia ser potente. Para os críticos, essa ideologia museal trabalha pela construção de um espectador ideal, este geralmente adulto, branco, classe média e homem, além de tratá-lo como consumidor. O museu passará a ser relacionado com o modernismo mercantilista, com o imperialismo americano e com a ortodoxia de um discurso sobre a arte moderna bastante fechado e doutrinário.

E neste momento em que pululavam as críticas contra o MOMA, outra questão ressaltada era a de sua origem social e política. Como afirma Grunneberg, o MOMA foi fundado por benfeitores privados milionários e seus administradores continuaram a ser recrutados da elite social deste país. Estes atores acabavam por determinar a direção geral do museu e, através da nomeação dos membros importantes da equipe, exerciam influência em suas políticas de exibição. Eles também moldaram decisivamente a composição da coleção com doações de obras de arte. Segundo ainda o autor:
Acusações de influência indevida remontam aos anos inciais do MOMA, quando o museu era quase inteiramente financiado por estes administradores. O apoio dos Rockeffelers (entre outras famílias ricas e poderosas) e a escolha da arte moderna como objeto particular de sua filantropia são significantes. A introdução da arte moderna nos Estados Unidos, tem sido argumentado, aconteceu desde o topo e estava intrinsecamente conectado a questões de classe, gosto, economia e política. A arte moderna foi elevada à esfera da alta cultura, funcionando como indicador de distinção social. No processo, sua agenda política e social original ficou obscurecida. Não apenas o MOMA, em si mesmo, foi dirigido com toda a eficiência de um negócio competitivo na economia capitalista, mas as atividades políticas de seus administradores, às vezes, tiveram um impacto direto no museu. (1999:32)


Nesse sentido, é importante ressaltar outro papel importante cumprido pelo MOMA nesse período, especialmente no momento da guerra fria: o de difusor ideológico da propaganda americana para países “amigos”. O expressionismo abstrato foi amplamente difundido para os países latino-americanos, e também por outras partes do mundo, como o sinônimo da liberdade social dos Estados Unidos. A ideia era tratar de abafar produções como o muralismo mexicano, identificada com o socialismo e a questão do trabalhador. Segundo o historiador Dalton Sala (2002), durante as décadas de 1940 e 1950, “iniciavam-se os tempos de guerra fria e a divulgação internacional do expressionismo abstrato como forma ideológica da cultura americana, promovido pelo Museu de Arte Moderna de Nova York , com orientação e financiamento vindos diretamente do departamento de Estado” (SALA, 2001/2002:124).

O próprio Alfred Barr Jr. realizou a função de embaixador cultural dos Estados Unidos, especialmente aqui na América Latina, realizando exposições no Brasil nos anos 1940. Geralmente mascaradas sob a forma de “apoios” culturais, incentivo à produção artística latino-americana, o MOMA, cujo principal financiador no período, Nelson Rockefeller (diretor do Inter-American Affaris Office, ligado ao departamento de Estado), realizou uma forte campanha, principalmente nos anos 1950, de inserção cultural em países como o Brasil, por exemplo. Incentivava artistas a realizar bolsas e residências nos Estados Unidos, trazia exposições artísticas e intelectuais americanos para realizar diálogos locais e, posteriormente, ajudou na criação de instituições nacionais como o Museu de Arte Moderna (SP) e eventos como a Bienal de São Paulo (questão que veremos com mais detalhes adiante).


A partir deste breve desenho, aqui esboçado, sobre a formação do campo da arte moderna e os discursos e instituições que emergem para estas práticas artísticas, é possível passar adiante neste percurso e voltar o olhar mais detidamente para o jogo realizado no interior deste campo entre as vanguardas artísticas e o discurso conhecido como esteticismo. A partir de agora nos faremos as seguintes questões: O que diferencia o impressionismo, o cubismo ou expressionismo abstrato, por exemplo, de outros movimentos, também entendidos como vanguardistas, a exemplo do surrealismo, do dadaísmo, do construtivismo russo? Qual a implicação de considerar umas vanguardas como sendo o discurso legítimo do modernismo e determinando as práticas em seu interior e outras não? Ou seja, a questão colocada por Rancière sobre o processo de ambiguidade entre esteticismo e modernitarismo no seio do Regime Estético aparece aqui de maneira importante para entender como os distintos discursos, inseridos dentro da própria teoria da arte autônoma, como diz Bourdieu, ou seja, dentro do próprio modernismo, implicará em distintas configurações do seu campo e também em um conflito de práticas artísticas que levará o mesmo a expandir-se constantemente, através da crítica à sua própria configuração.

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